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Estado. Tanto em permitir que alguém sob sua proteção fosse exibido dessa maneira, e
possivelmente contra a sua vontade, numa rede de TV, quanto em investigar as marcas de
tortura no seu rosto. As marcas e o relato de espancamento, aliás, seriam objeto da apuração
de qualquer bom jornalista. No caso, não suscitaram nenhuma surpresa.
Basta ligar a televisão para ter certeza de que nem essa jornalista, nem esse apresentador,
nem essa rede de TV são os únicos a violar direitos previstos em lei, especialmente contra
presos e contra favelados e moradores das periferias do Brasil. Especialmente, portanto,
contra os mais frágeis e com menos acesso à Justiça. Vale a pena lembrar que o número de
defensores públicos no Brasil é insuficiente — em São Paulo, por exemplo, segundo relatório
feito pela Pastoral Carcerária Nacional e pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, há apenas
500 defensores públicos para prestar assistência jurídica à população carente. E quase 60 mil
presos que nunca foram julgados.
Como também sabemos, nenhum jornalista publica ou veicula o que quer. Para que
matérias como essa tenham espaço é preciso que exista antes uma estrutura disposta a
permitir que os maus profissionais violem as leis. Em última instância, também quem anuncia
seus produtos em programas que exibem esse tipo de reportagem está sendo conivente e
estimulando a violação de direitos.
A responsabilidade não acaba aí. Nos blogs, onde o vídeo foi denunciado como uma
violação de Direitos Humanos, parte dos comentários dos leitores pode ser assim
resumida: “Ah, mas ele não é nenhum inocente”. Ou: “Queria ver se fosse você que ele
tivesse assaltado”. São afirmações estúpidas, mas elas ajudam a explicar por que esse tipo
de abordagem tem audiência. Persiste ainda no Brasil uma ideia de condenação sem
julgamento — e o linchamento público, via TV, é uma das formas mais apreciadas de
exercer a violência. Até porque, dessa forma, ninguém precisa sujar as mãos de sangue.
É preciso, porém, lembrar o óbvio: até ser julgado, um suspeito é um suspeito. E só o ritual
da Justiça poderá dizer se ele é culpado ou inocente. E, mesmo culpado, ele vai cumprir a
pena determinada pela lei, mas continuará a ter direitos. E essa é uma conquista da
civilização — contra a barbárie.
É também por causa da vontade de fazer “justiça” com as próprias mãos de parte da
população que o mau jornalista se sente “autorizado” a se colocar no lugar de juiz e condenar
um suspeito no tribunal midiático. Quem o legitima não são as leis tão duramente
conquistadas no processo democrático, mas a audiência. Quem legitima o mau jornalismo é
justamente esse tipo de comentário: “Ah, mas ele não é nenhum inocente” ou “Queria ver
se fosse você que ele tivesse assaltado”.
Para esse tipo de raciocínio valer e o mau jornalismo continuar tendo espaço, é preciso
que a sociedade decida que não existem leis no Brasil e que os suspeitos perdem todos os
direitos e devem ser linchados sem julgamento, nas ruas ou na TV. E isso vale para todos —