Page 229 - C:\Users\Leal Promoções\Desktop\books\robertjoin@gmail.com\thzb\mzoq
P. 229
A imprensa que estupra
— Não estuprou, mas queria estuprar!
A frase foi dita pela repórter Mirella Cunha, no programa Brasil Urgente, da Band da Bahia,
a um jovem de 18 anos, preso em uma delegacia. Algemado, ele diz que arrancou o celular
e a corrente de ouro de uma mulher, mas repete que não a estuprou. Na reportagem, a
jornalista o chama de “estuprador”. Pergunta se a marca que ele tem no rosto é resultado
de um tiro. Ele responde que foi espancado. A repórter não estranha que um homem detido,
sob responsabilidade do Estado, tenha marcas de tortura. O suspeito diz que fará todos os
exames necessários para que seja provado que ele não estuprou a mulher. Ele não sabe o
nome do exame, não sabe o que é “corpo de delito” e pronuncia uma palavra inexistente.
Ela debocha e repete a pergunta para expô-lo ao ridículo. Ele então pronuncia uma palavra
semelhante a “próstata”. A jornalista o faz repetir várias vezes o nome do exame para que
ela e os telespectadores possam rir. Depois, pergunta se ele gosta de fazer exame de
próstata. No estúdio, o apresentador Uziel Bueno diz: “Tá chorando? Você não fez o exame
de próstata. Senão, meu irmão, você ia chorar. É metido a estuprador, é? É metido a
estuprador? É o seguinte. Nas horas vagas eu sou urologista...”.
A chamada da reportagem era: “Chororô na delegacia: acusado de estupro alega
inocência”. A certa altura, a jornalista olha para a câmera e diz ao apresentador, rindo:
— Depois, Uziel, você não quer que o vídeo vá pro YouTube...
Ela tinha razão: o vídeo foi postado no YouTube. A versão mais curta dele já foi vista por
quase um milhão de pessoas.
O vídeo foi divulgado nas redes sociais, com grande repercussão e forte pressão por
providências. Um grupo de jornalistas fez uma carta aberta: “A reportagem de Mirella Cunha,
no interior da 12ª Delegacia de Itapoã, e os comentários do apresentador Uziel Bueno, no
estúdio da Band, afrontam o artigo 5º da Constituição Federal: ‘É assegurado aos presos o
respeito à integridade física e moral’. E não faz mal reafirmar que a República Federativa do
Brasil tem entre seus fundamentos ‘a dignidade da pessoa humana’. Apesar do clima de
barbárie num conjunto apodrecido de programas policialescos, na Bahia e no Brasil, os
direitos constitucionais são aplicáveis, inclusive aos suspeitos de crimes tipificados pelo
Código Penal”.