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A imprensa que estupra















        — Não estuprou, mas queria estuprar!
          A frase foi dita pela repórter Mirella Cunha, no programa Brasil Urgente, da Band da Bahia,
        a um jovem de 18 anos, preso em uma delegacia. Algemado, ele diz que arrancou o celular

        e a corrente de ouro de uma mulher, mas repete que não a estuprou. Na reportagem, a
        jornalista o chama de “estuprador”. Pergunta se a marca que ele tem no rosto é resultado

        de um tiro. Ele responde que foi espancado. A repórter não estranha que um homem detido,
        sob responsabilidade do Estado, tenha marcas de tortura. O suspeito diz que fará todos os
        exames necessários para que seja provado que ele não estuprou a mulher. Ele não sabe o

        nome do exame, não sabe o que é “corpo de delito” e pronuncia uma palavra inexistente.
        Ela debocha e repete a pergunta para expô-lo ao ridículo. Ele então pronuncia uma palavra

        semelhante a “próstata”. A jornalista o faz repetir várias vezes o nome do exame para que
        ela  e  os  telespectadores  possam  rir.  Depois,  pergunta  se  ele  gosta  de  fazer  exame  de
        próstata. No estúdio, o apresentador Uziel Bueno diz: “Tá chorando? Você não fez o exame

        de  próstata.  Senão,  meu  irmão,  você  ia  chorar.  É  metido  a  estuprador,  é?  É  metido  a
        estuprador? É o seguinte. Nas horas vagas eu sou urologista...”.

          A  chamada  da  reportagem  era:  “Chororô  na  delegacia:  acusado  de  estupro  alega
        inocência”. A certa altura, a jornalista olha para a câmera e diz ao apresentador, rindo:
           — Depois, Uziel, você não quer que o vídeo vá pro YouTube...

          Ela tinha razão: o vídeo foi postado no YouTube. A versão mais curta dele já foi vista por
        quase um milhão de pessoas.

          O  vídeo  foi  divulgado  nas  redes  sociais,  com  grande  repercussão  e  forte  pressão  por
        providências. Um grupo de jornalistas fez uma carta aberta: “A reportagem de Mirella Cunha,
        no interior da 12ª Delegacia de Itapoã, e os comentários do apresentador Uziel Bueno, no

        estúdio da Band, afrontam o artigo 5º da Constituição Federal: ‘É assegurado aos presos o
        respeito à integridade física e moral’. E não faz mal reafirmar que a República Federativa do

        Brasil tem entre seus fundamentos ‘a dignidade da pessoa humana’. Apesar do clima de
        barbárie  num  conjunto  apodrecido  de  programas  policialescos,  na  Bahia  e  no  Brasil,  os
        direitos  constitucionais  são  aplicáveis,  inclusive  aos  suspeitos  de  crimes  tipificados  pelo

        Código Penal”.
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