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O Superior Tribunal de Justiça tomou uma decisão inédita no Brasil: determinou a um pai o
pagamento de R$ 200 mil por “abandono afetivo”. Antonio Carlos Jamas dos Santos,
empresário do ramo de combustíveis de Sorocaba, no interior de São Paulo, terá de pagar à
sua filha, Luciane Nunes de Oliveira Souza, professora da rede municipal da mesma cidade,
por sua ausência como pai. Na sentença, manchete da maioria dos jornais brasileiros, a frase
lapidar da ministra-relatora do caso, Nancy Andrigui: “Amar é faculdade, cuidar é dever”.
Nos dias posteriores, Luciane deu entrevistas, em que chorou muito pelo abandono, assim
como comemorou a vitória dos filhos abandonados do Brasil, representada pelo seu triunfo
no tribunal. Minha pergunta: é possível — e desejável — que um pai seja condenado por
falta de afeto?
Apesar da frase de efeito da ministra, é disso que se trata. Esse pai, agora condenado,
pagou uma pensão para a filha até os 18 anos. Portanto, deu as condições materiais para o
seu sustento, o que é garantido pela legislação brasileira há muito e não está em discussão.
Se o valor era abaixo das necessidades concretas da filha e abaixo das possibilidades
concretas do pai, esta é uma falha de quem arbitrou a pensão — uma falha da Justiça,
portanto.
Estou rodeada de pessoas que acreditam que seus pais não lhes deram o afeto que
mereciam. Acho mesmo que boa parte das pessoas acha que seus pais são deficitários no
quesito afeto e no quesito presença. Da mesma maneira que, se fôssemos perguntar aos pais
— e também às mães —, boa parte deles compartilha da convicção de que são abandonados
pelos filhos. Mas esta, decididamente, não é a hora dos pais. Os filhos reinam absolutos
nesse momento histórico, com o apoio irrestrito do Estado.
Se os pais derem uma palmada numa criança, logo estarão cometendo uma infração. O
Congresso prepara-se para determinar que palmadas são inaceitáveis como método
educativo. Se a conclusão for a de que os pais não amaram bem, a Justiça pode obrigar os
pais a indenizar os filhos com o valor equivalente ao de um apartamento. Em breve, suponho,
teremos mais novidades na vigilância dos pais pelo Estado. E não estou sendo irônica. É para
esse mundo que temos caminhado. E é preciso perceber que temos dado sempre um passo
além. Em minha opinião, além do bom senso.
Se um pai espanca um filho ou qualquer pessoa espanca uma criança, já existe lei para
punir esse ato bárbaro. Mas, não, em vez de aprimorar as ações de prevenção e tornar mais
eficiente a repressão, considera-se necessário criar mais uma lei e punir também a palmada.
Se um pai não garante as condições materiais para assegurar educação, alimentação e casa
para um filho, também já existe lei para obrigá-lo a cumprir seu dever. Mas agora é preciso
ir mais adiante, é necessário punir também a falta de afeto.
Coloco essas duas questões — a da “palmada” e a do “abandono afetivo” — no mesmo
texto, porque, ainda que venham de instâncias diferentes do Estado, elas me parecem