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emblemáticas dos novos tempos que vivemos. E tenho dúvidas se refletimos o suficiente
sobre o que estamos fazendo ao achar aceitável que o Estado entre na casa das pessoas
e julgue o subjetivo. Tudo isso vem embalado em “boas intenções”. Mas me parece que
“em nome do bem” tem se feito muito mal.
Como um juiz pode determinar o que é “abandono afetivo” em uma relação complexa
como a de pais e filhos? E por que o Estado deveria fazer isso? E por que deveríamos achar
legítimo que o faça?
Não tenho dúvidas de que Luciane sofreu. E desconfio que seu pai também pode ter
sofrido. E gostaria que o sofrimento de ambos jamais tivesse se tornado público, porque
acho que isso deveria seguir sendo tema do privado — longe da mão do Estado e longe dos
holofotes. Mas, como abri a porta do meu apartamento na semana passada e me deparei
com o rosto de Luciane no jornal, é preciso pensar sobre isso.
As imagens de Luciane, com sua expressão sofrida e chorosa, mesmo quando sorridente,
provocam-me aflição. Porque é uma mulher de 38 anos, mãe e professora, dizendo coisas
como: “Desde que eu nasci, meu pai nunca me quis!”. Eu facilmente poderia ver essa frase
na boca de uma adolescente falando com as amigas num bar ou no pátio da escola. Mas, em
uma mulher adulta, essa queixa — e uma queixa pública, com acolhimento público — me
causa estranheza. Como se estivesse fora de lugar, deslocada no tempo de uma vida.
Luciane se coloca numa posição infantilizada. E me parece que ela encarna a posição
infantilizada na qual todos nós nos colocamos ao permitir que o Estado legisle e arbitre sobre
como devemos amar ou como devemos educar um filho. Como se jamais nos tornássemos
adultos, na medida em que precisamos de um Estado-pai para nos dizer o que fazer. Um
Estado que cada vez mais se arma do direito de entrar dentro das nossas casas e determinar
como devemos viver.
São tempos curiosos. E o mais curioso é que a tese do “abandono afetivo” seja acolhida na
mesma época em que a família já não é mais aquela. Nem sempre o pai biológico é aquele
que assume a função paterna. Ou a mãe biológica é aquela que desempenha a função
materna. As combinações, hoje, são as mais variadas. E nem sempre o pai que paga as contas
é o pai que busca na escola, coloca a criança no colo, conta histórias antes de dormir,
repreende um deslize ou conversa sobre a iniciação sexual da filha ou do filho. Pode ser — e
pode não ser.
A função paterna pode ser assumida pelo padrasto, por um tio, por um irmão mais velho,
pelo avô ou mesmo por uma mulher, em um casamento gay. E o mesmo acontece com a
função materna. Para ser pai ou mãe, não basta gerar uma criança, é preciso “adotá-la”. E
isso vale também para os pais biológicos. E nem todos conseguem ou desejam fazê-lo. Quem
desempenha a função paterna ou a função materna é aquele que gerou uma criança e