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E, mais adiante: “É importante ressaltar que a responsabilidade dos abusos não é apenas
dos repórteres, mas também dos produtores do programa, da direção da emissora e de seus
anunciantes — e nesta última categoria se encontra o governo do Estado que, desta maneira,
se torna patrocinador das arbitrariedades praticadas nestes programas”. O Ministério
Público Federal abriu representação contra a jornalista. Em nota, a Band afirmou que
tomaria “todas as medidas disciplinares necessárias” e que “a postura da repórter fere o
código de ética do jornalismo da emissora”.
Em visita ao suspeito, a equipe da Defensoria Pública assim o descreveu: “É réu primário,
vive nas ruas desde criança, apesar de ter residência em Cajazeiras 11. Tem seis irmãos, é
analfabeto e já vendeu doces e balas dentro de ônibus. Ao ser questionado sobre como se
sentiu durante a entrevista, ele diz: ‘Eu me senti humilhado, porque ela ficou rindo de mim
o tempo todo. Eu chorei porque sabia que eu iria pagar por algo que não fiz, e que minha
mãe, meus parentes e amigos iriam me ver na TV como estuprador, e eu sou inocente’”.
A reportagem é um exemplo de mau jornalismo do começo ao fim. E, para completar,
ainda presta um desserviço à saúde pública, ao reforçar todos os clichês e preconceitos
relacionados ao exame de próstata. Por causa dessa mistura de ignorância e machismo,
homens demais morrem de câncer de próstata no país. Os abusos cometidos pela repórter
e pelo apresentador foram tantos, porém, que esse prejuízo passou quase despercebido.
Por que vale a pena refletir sobre esse episódio? Primeiro, porque ele está longe de ser
uma exceção. Se fosse, estaríamos vivendo num país muito melhor. O microfone (e a caneta)
tem sido usado no Brasil, assim como em outros países, também para cometer violências.
Nessas imagens, se observarmos bem, a repórter manipula o microfone como uma arma.
(Outras interpretações, vou reservar para os psicanalistas.)
Muitos passam mal ao assistir ao vídeo porque o que se assiste é uma violência sem
contato físico, sem marcas visíveis. Uma violação cometida com o microfone e uma câmera,
exibida para milhões de pessoas, contra um homem algemado (e, portanto, indefeso), sob a
responsabilidade do Estado, que, em vez de garantir os direitos do suspeito, o expôs à
violência.
O suspeito é humilhado por algo que deveria ser uma vergonha para o Estado e para todos
nós: a péssima qualidade da educação. E, no caso dele, o analfabetismo de um jovem de 18
anos no ano de 2012, na “sexta economia do mundo”. Ao afirmar que o rapaz era um
estuprador, a repórter colocou em risco também a vida do suspeito, já que todos sabem —
e muitos toleram — o que acontece dentro das cadeias e prisões com quem comete um
estupro.
A repórter e o apresentador são apenas a parte mais visível da rede de violações. Estão
longe de serem os únicos responsáveis. Para que esse caso se torne emblemático e para que
a Justiça valha, é preciso que todas as responsabilidades sejam apuradas, a começar pela do