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ser o que é — e transforma gente encarnada em números sem carne. Mas a crescente
espetacularização da realidade só vinga porque rende muita audiência — o que significa
receber o aplauso de boa parte dos ditos “cidadãos de bem”, de muitos de nós.
Nessas últimas semanas, na minha opinião, a notícia mais chocante não foi a do matador
do cinema do
Colorado. Eu sei que há poucos James Holmes por aí. E que a maioria de nós, aqui ou nos
Estados Unidos, vai continuar entrando e saindo vivo do cinema. Para mim, é muito mais
chocante constatar, mais uma vez, que homens, mulheres e crianças estão sendo
assassinados em conflitos nos lugares mais pobres, sofridos e violentos do mundo, nesse
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momento e dia após dia, com armas fabricadas e vendidas pelo Brasil .
Em 2001, o Brasil vendeu US$ 5,8 milhões em bombas de fragmentação e incendiárias para
o ditador do Zimbábue, Roberto Mugabe. Cada uma delas pode espalhar, ao ser detonada,
até 120 mil esferas de aço por uma área equivalente a sete campos de futebol, matando
indiscriminadamente combatentes e civis. Na lista de compradores das empresas brasileiras
de armamento já estiveram Muammar Khadafi e Saddam Hussein. Em 2011, cartuchos de
bombas de gás lacrimogêneo fabricados no Brasil foram usados pela polícia turca em campos
de refugiados sírios.
O aumento das exportações de material bélico é um dos objetivos do governo brasileiro,
que criou para as empresas um programa de incentivos fiscais e condições especiais de
financiamento. Na semana passada, fracassaram as negociações para um tratado
internacional da ONU que obrigaria os países exportadores de armas a manter um registro
das transações e avaliar se o material bélico vendido poderia ser usado para violar direitos
humanos, cometer atentados ou alimentar o crime organizado. O Brasil foi um dos países
que se manifestaram contra a “transparência absoluta”.
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Contei recentemente nesta coluna a história brutal da congolesa Marie Nzoli , com
grande mobilização de leitores perguntando o que é possível fazer para “ajudar as mulheres
do Congo”, vítimas de uma guerra complexa, prolongada e com múltiplas causas que já
matou cinco milhões de pessoas. Para começar, é possível ligar os pontos. Já sabemos que
os assassinatos, as torturas e os estupros que massacram o povo congolês foram — e talvez
ainda sejam — praticados também com armas fabricadas e vendidas pelo Brasil. Afinal, ao
comprar as bombas de fragmentação brasileiras, em 2001, o ditador Mugabe tinha como
passatempo manter tropas do Zimbábue atuando na República Democrática do Congo. Esta
é uma das realidades que podemos mudar — e que merece toda a nossa atenção.
É importante pensar em assassinos como James Holmes. Não porque a ficção
supostamente teria influenciado suas ações e portanto seria preciso controlar a ficção —
mas porque ele diz da realidade do nosso mundo. O caminho mais fácil é acreditar que o