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Se fosse eu — e não o americano James Holmes — a entrar no cinema da cidade de Aurora,
        no Colorado, em 20 de julho de 2012, com um arsenal de armas de verdade, e assassinar 12

        pessoas e ferir 58, algum jornalista apressado possivelmente investigaria a minha infância e
        encontraria  mais  indícios  de  um  futuro  violento  do  que  foram  encontrados  na  vida  do
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        matador.  O  massacre  na  estreia  de  Batman  —  O  cavaleiro  das  trevas  ressurge                     ,

        protagonizado por uma pessoa que teria se apresentado como o “Coringa”, um dos vilões
        mais perturbadores da ficção, poderia se esclarecer, por exemplo, a partir da compra do

        revólver de brinquedo aos oito anos de idade. Dá até para imaginar a chamada: “Em vez de
        uma boneca, a assassina pediu um revólver”. Ou: “O hobby da matadora era explodir cabeças

        de zumbi no videogame”. Ou: “Desde pequena, ela vivia me assassinando”, diz o irmão.
        “Quando brincávamos de polícia e ladrão, ela sempre queria ser o ladrão”, revela uma colega
        de primário.

          Logo, descobririam minha obsessão pelo Alien, um dos monstros mais violentos da história
        do cinema, uma fixação tão profunda que tenho um boneco na escrivaninha onde escrevo

        essa coluna. Sem contar meus estudos sobre vampirismo e um interesse já superado por
        psicopatas. Para piorar, não tive cabelo laranja — mas roxo, verde, azul e rosa. O que quero
        dizer é que, sabendo o que procurar, numa interpretação superficial dos fatos, é possível

        encontrar prenúncios de um futuro serial killer ou matador de cinema na vida pregressa de
        cada um de nós.

          Digo isso porque, sempre que alguém entra num cinema matando gente, aparecem muitos
        alguéns para culpar a ficção. Dessa vez, não foi diferente. Em vez de Batman ressurgir das
        trevas,  como  o  título  do  filme  promete,  o  que  ressurgiu  foi  a  entrevada  tese  de  que  o

        “excesso” de violência no cinema (e na TV, games etc etc ) é o culpado pela tragédia. Essa
        tese recorrente, que faz ninho inclusive na cabeça de pessoas bem inteligentes, serve para

        muitas coisas, especialmente explicar o (quase) inexplicável (e assim dormir tranquilo) — e
        reivindicar interferência e controle sobre o conteúdo das obras de ficção. Quando não, sua
        proibição.

          O efeito imediato desse tipo de tese é a redução de cada um de nós a alguns estágios
        anteriores da evolução. Seríamos adultos tão estúpidos e incapazes que, se alguém — um
        “tio” ou o Estado — não cuidar do que estamos assistindo, lendo ou jogando, não saberemos

        distinguir a realidade da fantasia. Impressionado com alguns textos que havia lido sobre a
        relação entre a violência da ficção no cinema e a violência do matador do cinema da vida

        real, um amigo que assistia comigo a um seriado policial na TV comentou: “Olha só, o cara
        matou cinco pessoas só ao arrombar a porta, e a gente não sentiu nada”.
          O que isso prova? Nada, me parece. Respondi ao meu amigo: “Sim, mas isso faz com que

        você saia da minha casa e assassine cinco dos meus vizinhos com uma faca de pão ou pegue
        teu  carro  e  atropele  todos  que  estiverem  na  faixa  de  segurança?  Se  você  visse  alguém
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