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sexo pago. Na novela da vida real que ele conta em quadrinhos, cada prostituta entende sua
        escolha de forma diversa. Quando não contam para a família e para os amigos sobre sua

        profissão, em geral é por temer o preconceito — e não por desprezar o que fazem.
          Por características de sua personalidade, um pouco obsessiva, Chester esmiuça o sexo
        pago e suas implicações com algo próximo do método científico. Meticuloso, ele escuta e

        duvida tanto dos outros quanto de si mesmo, o que o torna digno de ser escutado naquilo
        que  diz.  Ao  terminar  o  livro,  Chester  parece  ter  achado  o  melhor  para  ele,  pelo  menos

        naquele momento: estava havia seis anos transando com uma única prostituta, que, por sua
        vez, só transava com ele, numa curiosa relação monogâmica sem compromisso. Chester
        acredita que ela não transaria com ele se não pagasse — e acha ótimo que seja assim.

          No último apêndice do livro, seu amigo Seth comenta com ironia amorosa: “A verdade é
        que, se no passado o envolvimento de Chet com prostitutas me incomodava, hoje eu superei

        isso. A prostituição pode não funcionar para todos, mas funciona para ele. O gozado em
        Chester é que, de todos os homens que conheço, ele talvez seja o que daria o melhor marido
        ou namorado para qualquer mulher... e, no entanto, foi ele que escolheu a prostituição. O

        mundo é muito engraçado”.
          Mas Chester escorrega em pelo menos um ponto, o que é uma pena. Ao escolher transar

        apenas com prostitutas, por achar que o amor romântico não serve para ele, Chester é
        atacado por muitos — e também pelos amigos mais queridos. Afinal, manter uma relação
        amorosa romântica com alguém parece ser a busca maior e a redenção de boa parte das

        pessoas em nosso tempo. Para Chester, o amor romântico é apenas um mito no qual as
        insatisfações mútuas são mascaradas para não comprometer a sua idealização, tão cara à

        cultura.
          O problema é que Chester trata o amor romântico — e o casamento — com preconceito
        semelhante ao reservado à prostituição pelos seus opositores. Quando o melhor, me parece,

        seria não substituir um dogma pelo outro. Assim como pagar para transar pode ser a melhor
        solução para Chester e para muitos, o sexo não pago pode ser a melhor solução para outros.

        Há um zilhão de pactos diferentes que um homem e uma mulher — ou um homem e um
        homem, uma mulher e uma mulher — podem fazer entre si e que só diz respeito a eles. Seria
        melhor ter ficado por aí, mas Chester Brown, como muitos que defendem uma bandeira na

        contramão, acabou tornando-se dogmático pelo avesso.
          Esse escorregão não tira o brilho de sua obra e da sua reflexão. É importante quando
        alguém nos arranca do senso comum e nos lança diante de novas perguntas — não para

        concordar  com  ele,  mas  para  pensar  com  ele.  E  mais  ainda  numa  época  na  qual  o
        politicamente correto tem reprimido a liberdade das ideias. Chester não provoca polêmica

        pela polêmica, como muitos em busca de audiência e leitores. Estuda, pesquisa, experimenta
        e conta. E é sua honestidade moral e intelectual que torna Pagando por sexo tão instigante.
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