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Pagando por sexo (WMF Martins Fontes) é o relato confessional do quadrinista, escrito com
rigor jornalístico. Inclusive trocando o nome das prostitutas, para não identificá-las, assim
como jamais desenhando seu rosto ou suas marcas pessoais, para que não sejam
reconhecidas — mas buscando ser fiel à forma de seus corpos.
Ao longo das 284 páginas, Chester vai narrando seus dilemas, seus encontros com
prostitutas e suas discussões com amigos. Especialmente com os quadrinistas Joe Matt e
Seth, com quem formava “os três mosqueteiros” no mundo das HQs. Essas conversas,
geralmente em um bar ou café, são as partes mais interessantes do livro, já que os amigos
têm dificuldade de aceitar a escolha de Chester — tanto pelo enorme preconceito existente
ainda hoje com relação à prostituição quanto pelo que essa alternativa pouco convencional
produz de incômodo com relação à vida amorosa-sexual de cada um deles.
Ao final do livro, temos vontade (eu, pelo menos) de ser amiga do Chester que vai se
mostrando com abissal honestidade a cada página. Sem esquecer, é claro, que, como
qualquer relato autobiográfico, as verdades sobre quem escreve sobre si mesmo são
filtradas por um olhar amoroso e, às vezes, complacente. Mas Chester consegue rir de si
mesmo — e duvidar de si mesmo — vezes o suficiente para a história nos envolver e
convencer. A certa altura, por exemplo, uma das prostitutas explica a ele por que prefere
trabalhar à tarde em vez de à noite. Ela diz: “Quando a gente trabalha à noite, muitos caras
chegam bêbados. Os piores clientes são os bêbados e os que têm pênis grande”. E
acrescenta: “Quem dera todos os meus clientes fossem como você”.
As aventuras de Chester, porém, não são apenas deliciosas. Seu maior mérito é nos
confrontar com uma visão sobre o amor, o sexo e a prostituição que contraria o senso
comum. Mesmo para pessoas consideradas de “mente aberta”, a prostituição ainda é um
tabu. Ainda hoje, as prostitutas são reduzidas ou a “vagabundas” ou a “vítimas da sociedade,
do machismo e do patriarcado” — visões pobres e autoritárias sobre uma identidade
complexa. De certa forma, sobre a prostituição há quase uma unanimidade negativa unindo
setores da sociedade que discordam em quase todo o resto.
Chester incomoda também por não caber no estereótipo do que se imagina como um
cliente do sexo pago. Ele não é o sinhozinho do passado, que mantinha em casa a mulher
“honesta” e “mãe dos filhos”, mas divertia-se mesmo era no puteiro da cidade. Tampouco é
o explorador de mulheres violento, tarado e com “vícios” inconfessáveis das histórias que
viram notícia. Muito menos é o loser infeliz, desajustado e solitário que busca o prazer nos
becos escuros, esgueirando-se pelo submundo.
Chester usa seu nome verdadeiro, não esconde de ninguém que transa com prostitutas e
trata sua escolha com tanta naturalidade como se estivesse falando de um casamento
convencional. Ao colocar um tema historicamente relegado à sombra — e ao assombro —