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dia, outro de noite. O que ganhava não dava para pagar as contas. Os ônibus que pegava
para chegar até esses empregos eram lotados. Ela vivia num barraco. Aí procurou o posto de
saúde e lhe trataram com antidepressivos. Não adiantou. Deram-lhe outro medicamento.
Nada. Um dia, sem nenhuma esperança ou recurso, ela tentou suicídio”, conta. “A questão
é que não há promoção de saúde, porque isso implicaria se preocupar com projeto de vida,
com perspectiva de vida, com melhoria das condições de vida. O que há é medicalização da
vida.”
Nossa época é marcada por uma espécie de sedativo social, afirma um psiquiatra. “A gente
vê um monte de gente sofrendo. E sofrendo muito. Mas o atendimento funciona assim: está
chorando?, toma um antidepressivo; não dorme?, pega um benzodiazepínico. É uma
supermedicalização sem critério. As pessoas estão tomando remédios como se fossem
bolinhos”, diz. “O médico não tem tempo de escutar, dá um remédio para que parem de
chorar ou de reclamar, e as pessoas vivem a fantasia de que são atendidas. Não funciona,
claro. Elas continuam sofrendo. Então voltam e o procedimento se repete. E assim vai
diminuindo a pressão social.”
Vale a pena parar e refletir. Nossa época está produzindo gerações de anestesiados? A
medicalização da dor psíquica é um fenômeno relativamente recente. Pelo menos nessa
proporção, com essa enorme variedade de drogas disponíveis e muito mais sendo produzido
em escala industrial e vendido em licitações para a rede pública em suas variadas instâncias.
Cada comprimido de Diazepam (benzodiazepínico), por exemplo, custa menos de um
centavo para a rede pública. Bem mais barato, digamos, que uma sessão de psicoterapia.
Se pensarmos que a medicação da população com antidepressivos e tranquilizantes se
acentuou a partir dos anos 90, que tipo de sociedade teremos daqui, digamos, a uma ou
duas décadas? O que acontece com as pessoas quando têm a sua dor de existir abafada,
mascarada, calada a golpes de pílulas? Não sei. Mas acredito que são perguntas que
devemos nos fazer. Nós todos, não apenas os governantes ou os profissionais da saúde.
Estamos vivendo uma mudança cultural das mais profundas. E não me parece que estamos
suficientemente atentos a suas causas, significados e implicações. Que tipo de mundo e de
gente estamos criando quando a resposta para toda dor é uma pílula?
De novo, não sou contra o uso responsável de medicamentos. E me sinto bastante
satisfeita por viver numa época em que é possível curar — ou pelo menos controlar — muitas
doenças graças ao avanço da ciência. Mas não é disso que se trata. O que tenho
testemunhado não é tratamento — mas doping. E do pior tipo, o legalizado, aquele que é
travestido como promoção de saúde e promovido pelo Estado, sob a pressão da indústria
farmacêutica. E, atenção: cada vez mais cedo. Em todas as classes sociais, as crianças
começam a ser medicadas nos primeiros anos de vida, bastando para isso não ter um
comportamento na escola considerado “normal”.