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capazes é um enorme risco. Porque damos ao outro um grande poder, o poder de nos
        refletir.

          Aprendi que vale a pena amar aquelas pessoas que, quando nos vimos nos olhos delas,
        temos  vontade  de  ser  alguém  melhor  do  que  somos.  Elas  veem  não  apenas  aquilo  que
        realmente somos, mas aquilo que podemos ser. Tudo aquilo de bom e de generoso que

        podemos ser. Não significa que não enxergam nossas imperfeições e mesquinharias, mas
        que veem além delas. Então, do lado de cá do espelho, ficamos desejando nos tornar o que

        vemos refletido lá.
          O homem que eu amo tem esses olhos que me veem boa e bela. E quando ele olha nos
        meus olhos também se vê bom e belo. A cada ano que passamos juntos, tempos em que a

        vida nos exigiu muito, cada um de nós chega mais perto do que vê de si no olhar do outro. E
        isso não tem nada a ver com sermos outros, mas com a capacidade que só o amor generoso

        tem de nos tornar mais radicalmente o que somos.
          Muita gente se pergunta se está com a pessoa certa. Não entendo bem o conceito de
        “pessoa certa”. Em geral, acho que essa pergunta já diz que algo está errado. Mas, se existe

        um jeito de saber, eu acho que é esse. Quem diz me amar faz de mim alguém não diferente
        do que sou, mas melhor? Eu faço de quem amo alguém não diferente do que é, mas melhor?

        Pelo olhar do outro me torno mais o que sou? E vice-versa?
          Observo muito as pessoas e suas relações amorosas. Vejo que vão se tornando muito
        parecidas com aquilo que o outro da relação diz que ela ou ele é. Quando esse olhar não é

        amoroso, não é generoso, é uma tragédia. Já sabemos disso muito antes da vida adulta, pelo
        que se tornam as crianças que são realmente amadas, amadas o suficiente para que os pais

        gastem tempo lhes dando também limites. Mas não só. Amadas o suficiente para serem
        enxergadas e escutadas e acariciadas. E o que se tornam aquelas que foram aniquiladas pelo
        olhar dos pais.

          Quando crescemos, alguns de nós, que receberam na infância um olhar pouco generoso
        ou mesmo ausente, reincidem ao buscar um companheiro ou companheira para a vida que

        repete esse olhar aniquilador. Atribuem para si a missão fadada ao fracasso de mudar o
        outro. Alterar esse olhar, transformar o outro e o olhar do outro para redimir toda uma vida.
        E,  tentativa  após  tentativa,  encontrando  sempre  esse  mesmo  olhar  mesquinho,  acaba

        acreditando que é ela ou ele que não vale a pena. É bem triste. Em geral, esses casais passam
        a vida massacrando um ao outro, já que duas pessoas só ficam juntas se algo nelas se encaixa.
        Mesmo que seja uma tremenda neurose. É preciso que um dos dois consiga quebrar esse

        espelho ruim e partir para algo que faça bem a si mesmo.
          Dias  atrás  aterrissou  nas minhas  mãos  um  livro da desenhista Carla Caffé,  lançado há

        pouco. Chama-se Av. Paulista (Cosac Naify). Fui virando as páginas e me encantando de tal
        maneira que já presenteei pessoas queridas com ele. O que encanta tanto? Carla é uma
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