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se capaz de entregar-se ao galope desenfreado de um pampa imaginário. Afinal, quem diz o
        que é um cavalo ou o que é um cabo de vassoura?

          Vanderlei é um exemplo radical de reinvenção da vida. Nem todos, porém, são capazes de
        enxergar com a larga liberdade de Vanderlei. Nem todos viveram todas as suas faltas. O que
        podemos é escolher se vamos olhar com generosidade para a nossa vida — e para a vida do

        outro — ou se vamos gastá-la inteira nos lamuriando de nossa pouca sorte.
          Qualquer  um  pode  escolher  como  olhar  para  si  mesmo.  Todo  homem  e  toda  mulher

        contêm em si pelo menos dois espelhos: um deles o reflete como silhueta sem rosto definido,
        manchada  na  multidão,  destituída  de  importância;  o  outro  o  revela  único,  singular,  um
        evento histórico irrepetível. É o mesmo homem ou mulher que pode olhar apenas para o

        chão  e  se  identificar  com  a  meleca  que  cola  nos  seus  sapatos  ou  olhar  para  cima  e  se
        reconhecer na matéria das estrelas.

          Ambas  as  identificações  são  fatos  comprovados  pela  ciência.  Basta  escolher  em  que
        espelho  cada  um  prefere  se  reconhecer.  Parece-me  no  mínimo  curioso  que  uma  parte
        considerável das pessoas escolhe se identificar com a meleca. E viver de acordo.

          De certo modo, temos todos a escolha de ser Cheherazade, a moça esperta das mil e uma
        noites, que decidiu contar histórias para manter a narrativa da sua própria. Ou podemos ser

        todas as moças não muito espertas que perderam a cabeça antes dela porque deixaram que
        o sultão decidisse o fim da sua história.



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        4 As melhores crônicas semanais sobre a extraordinária vida comum se transformaram no livro A vida que ninguém vê (Arquipélago Editorial), ganhador do
          Prêmio Jabuti de Melhor Livro de Reportagem (2007).
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