Page 44 - C:\Users\Leal Promoções\Desktop\books\robertjoin@gmail.com\thzb\mzoq
P. 44

primeiros  que  leu  e  compreendeu  de  imediato.  Disse  algo  mais  ou  menos  assim:  “Os
        escritores têm de nos alcançar, mas nós também temos de alcançar os escritores”.

          Acho que é isso. Vale a pena essa busca para alcançar alguns escritores e suas vozes a
        princípio obscuras. Alcançar alguém é sempre uma experiência rica — e intransferível. O livro
        de Maria Rita Kehl, assim como os livros mais estranhos de Clarice Lispector, vale porque ao

        final desse esforço há uma voz original, dissonante de todas as mesmices que ouvimos — e
        eventualmente repetimos.

          Para mim, que acordo todos os dias — e especialmente na segunda-feira — pensando em
        como não sentir mal-estar num mundo tão brutal, que exige uma velocidade que me rouba
        a vida, fez todo o sentido. Só consigo viver porque a cada dia minha questão crucial não é

        me adaptar a um tempo que não é o meu. Mas encontrar formas de me recusar a viver
        segundo valores que para mim não fazem sentido, me recusar a viver no tempo do outro. É

        essa  busca  —  e  essa  insubordinação  —  que  me  mantém  em  pé,  ainda  que  às  vezes
        cambaleando, como o cachorro atropelado por Maria Rita. E até caindo.

                                                                                              30 de novembro de 2009

        Lula, o filho do Barretão














        “Não quero que publiquem que eu sou santo. Não sou. Estou cansado que me carreguem no

        colo, que puxem meu saco. Não encontro textos sérios: ou inventam mentiras para me
        esculhambar, ou exageram em coisas que não existiram para me transformar num super-

        homem. Não sou nem uma coisa nem outra. Gostaria que você fizesse um texto ‘científico’
        sobre mim, contando as coisas como elas são.”
          Esta fala é de Luiz Inácio Lula da Silva e foi transcrita na introdução de sua biografia — Lula:

        o filho do Brasil (Perseu Abramo) —, escrita pela jornalista e historiadora Denise Paraná. No
        surrado sofá vermelho do pequeno apartamento de Denise, então uma estudante vivendo

        com o dinheiro da bolsa de doutorado em História, na Universidade de São Paulo (USP), Lula
        contou a extraordinária história de sua vida em encontros que totalizaram cerca de cem
        horas de entrevistas, entre os anos de 1992 e 1994. Ao contá-la, pronunciou cerca de duas

        centenas  de  palavrões,  presentes  na  edição  de  1996  da  obra  e  limados  da  edição  da
        Fundação Perseu Abramo, publicada no final de 2002 — ano da primeira eleição presidencial

        vencida por Lula, depois de três derrotas.
   39   40   41   42   43   44   45   46   47   48   49