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Há episódios em que a índole do personagem foi aprimorada, como quando Lula passa mal
        ao assistir ao dono de uma fábrica, que havia atirado em um trabalhador durante uma greve,

        ser jogado do segundo andar e depois linchado. Na vida real, narrada pelo próprio Lula, ele
        diz: “Eu achava que o pessoal estava fazendo justiça”.
          Quando a biografia foi editada na Coreia do Sul, a tradutora passou alguns apertos. Ela não

        sabia como traduzir a passagem em que Lula fala sobre um costume dos meninos do sertão
        do seu tempo: a iniciação sexual com animais. A jovem Sophia Cho, que além de terminar a

        tradução acertava os últimos preparativos de seu casamento, ficou ruborizada. “Ainda que
        tenhamos permitido a aparição da primeira cantora transexual na TV, senhorita Ja Ri Su, a
        Coreia continua muito fechada nesse aspecto”, explicoume, quando a entrevistei, anos atrás.

        “Como traduzir isso para um país que pratica o confucionismo há quatro mil anos?” Sophia
        Cho e todos os sul-coreanos poderão assistir ao filme sem sobressaltos. A fita não ruborizaria

        nem o próprio Confúcio.
          Luiz Carlos Barreto, o Barretão, já disse que fez o filme para ganhar dinheiro. Deve ter sido
        sincero. Mas, se o momento histórico é propício para “ganhar dinheiro”, pode ser difícil fazer

        um bom filme sobre um presidente da República que está no poder e iniciará 2010 como um
        recordista de popularidade. Será que existiriam empresários tão interessados em investir na

        cultura nacional se o filme mostrasse o jovem Lula anunciando que queria “comer” a futura
        primeira-dama do Brasil? O fato é que mesmo cineastas brilhantes poderiam derrapar na
        empreitada. E a cinebiografia do diretor, Fábio Barreto, infelizmente não o inclui nesta lista.

          Já  me  disseram  que  a  ideia  não  era  fazer  um  filme  para  intelectuais  e  para  críticos
        gostarem, mas para o povão. Bem, acho que o povo merece um filme bom. E filme bom

        necessariamente não implica inovações de linguagem ou voos intimistas. Só é preciso contar
        bem uma história. E nenhuma história é bem contada se o personagem principal não vive
        um único conflito em sua vida, se é contado apenas pelo que o enaltece, se é, portanto,

        inverossímil. É curiosa essa ideia de “filme para o povão”. Já a escutei como explicação para
        tudo — de programas de TV de baixo nível a filmes ruins. Subestimar a inteligência e a
        sensibilidade do povo brasileiro me parece não só falta de respeito, mas arrogância.

          Compreendo, é claro, que o filme é “bom” para muita gente, em vários aspectos que nada
        têm a ver com cinema. Nesse sentido, o que vai acontecer a partir do lançamento poderá

        render um outro filme no futuro. Nunca antes na história deste país um presidente teve a
        chance de poder assistir a um filme sobre sua vida refestelado na poltrona do cinema do
        palácio do Alvorada. Na condição de observadores da história em movimento, vale a pena

        acompanharmos de perto o efeito dessa monumental obra de propaganda e construção de
        imagem. É, sem dúvida, um capítulo novo.

          Como brasileira que gosta de cinema e de boas histórias, ao contrário de alguns críticos,
        eu gostaria de assistir a um filme sobre a vida do Lula. Não agora, mas num momento em
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