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O Lula real era um menino tão tímido que não conseguia vender laranjas na infância por
        falta  de  coragem  para  anunciar  o  produto.  O  do  filme  é  um  vendedor  com  sacadas

        publicitárias. No filme, o casamento com Maria de Lourdes, a primeira mulher, é um conto
        de fadas proletário, com direito a perseguição no varal de roupas. Na vida, o casal voltou
        antes da lua de mel porque Lourdes só chorava. No filme, Lula contou ao taxista, com voz

        embargada, que tinha perdido mulher e filho. E o taxista retribuiu a confidência, dizendo que
        também tinha enterrado um filho, e mostrou a foto da viúva, Marisa, e do neto. Na vida, Lula

        estava  saindo  da  casa  da  namorada,  Miriam  Cordeiro,  e,  ao  ouvir  o  taxista,  pensou:
        “Qualquer dia vou comer a nora desse velho”. O viúvo Lula do filme só chorava. O da vida
        chorava, mas depois quis “namorar todo dia e, de preferência, com pessoas diferentes”.

          Quando  Marisa  apareceu  no  sindicato  dos  metalúrgicos  para  “pegar  o  carimbo”,
        necessário para liberar o dinheiro da pensão do marido assassinado, Lula não a reconheceu

        da foto mostrada pelo taxista, como é contado no filme. Lula foi chamado para atendê-la
        porque havia deixado ordens de ser avisado quando aparecesse “uma viuvinha nova”, como
        conta a própria Marisa no livro. Lula mentiu para Marisa que a lei tinha mudado e a obrigou

        a voltar várias vezes ao sindicato. Depois a chantageou para que lhe desse seu telefone.
          Entre um personagem contraditório e outro com comportamento previsível, mas elevado,

        a escolha foi eliminar as nuances e ficar com um Lula sem ambivalências. Mais do que um
        herói ou um santo, o Lula do filme é um sujeito insosso.
          Por que uma grande história, um grande personagem e um grande orçamento — R$ 16

        milhões, um dos mais altos da trajetória do cinema brasileiro — se transformaram num filme
        medíocre?

          Só tenho hipóteses. O momento escolhido — com o personagem principal na presidência
        da República e às vésperas de uma eleição presidencial — pode ter feito mal à obra. O
        momento pode ter beneficiado a captação de recursos, já que dá gosto acompanhar na tela

        a lista de empresas sensibilizadas para a necessidade de investir no cinema nacional. Mas
        pode também ter produzido uma série de autocensuras. Como já foi dito pelos realizadores

        do filme, havia uma preocupação de não apresentar cenas que pudessem ser consideradas
        piegas ou excessivamente dramáticas, embora verídicas, como a em que o pai de Lula se
        recusa a lhe dar picolé porque diz que ele não sabe chupar sorvete. A mesma preocupação

        pode  ter  ocorrido  ao  preferir  não  mostrar  um  Lula  mulherengo  e  às  vezes  de  caráter
        duvidoso, um Lula mais malandro do que bom moço.
           Há no filme alguns momentos heroicos, que nunca ocorreram na vida real, como quando

           o menino Lula
        se posta na frente da mãe para impedir que o pai, Aristides, batesse nela, dizendo: “Homem

        não bate em mulher”. Na vida real, contada pelo próprio Lula, é a mãe que não permite que
        o pai bata em Lula. Por conta disso, Aristides dá uma mangueirada na cabeça de dona Lindu.
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