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A  biografia,  elaborada  com  os  critérios  da  história  oral  e  apresentada  na  forma  de
        entrevistas com Lula e seus irmãos, é espetacular. Ao contar a história de Lula de 1945 a

        1980, do nascimento no sertão pernambucano à liderança das greves no ABC paulista, Denise
        Paraná compreendeu que a riqueza do homem era sua complexidade. Foi respeitosa com
        todas  as  contradições  do  retirante  sertanejo,  operário  e  líder  sindical  que  se  tornaria  o

        presidente mais popular da história recente do Brasil. Como o próprio Lula pediu, ao aceitar
        contar sua vida, o retrato traçado no livro é fascinante, mas decididamente não é nem o de

        um herói, muito menos de um santo.
          Quando li a biografia, para cobrir a campanha presidencial de 2002, às vezes ri muito com
        Lula, às vezes chorei, em outras achei-o mau-caráter, em alguns parágrafos deu até raiva. Ao

        final da leitura consegui me aproximar das muitas verdades de Lula, um homem complexo e
        contraditório  como  são  todos  os  homens.  Ou,  como  diz  Denise,  na  primeira  frase  da

        introdução da obra: “Este é um livro sobre um homem controvertido”.

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          Ao assistir a Lula: o filho do Brasil , o filme, fui surpreendida por um outro Lula. Este me

        deu sono. Baseado na biografia de Denise Paraná, o filme usou fatos relatados no livro,
        retocou  alguns  momentos  menos  edificantes,  mas  perdeu  o  melhor  da  história:  a
        humanidade do personagem. O Lula do filme é plano, unidimensional. Faz tudo certo, sem

        tropeçar em nenhum conflito, nem mesmo um bem pequeno, em sua trajetória linear. Ao
        final,  ficamos  pensando  (eu,  pelo  menos)  que  aquele  cara  da  tela  nunca  chegaria  a

        presidente da República. Não chegaria nem a liderar uma greve do ABC. O Lula do filme é
        raso como o açude seco em que o menino Lula bebia água com o gado.
          A história de Lula e de sua família é uma grande história. Contém nela o DNA do Brasil. O

        pai, Aristides, migrou para São Paulo com a amante menor de idade, deixando no sertão a
        mãe grávida de Lula e outros seis filhos. Numa visita, ainda fez uma oitava filha antes de levar
        um dos meninos, Jaime, com ele para Santos. Dona Lindu vendeu tudo e foi para São Paulo

        atrás do marido, porque este filho enganou o pai, analfabeto, e escreveu uma carta muito
        diferente da ditada por Aristides, uma em que o pai tinha saudades da mãe. Em Santos, ela

        teve gêmeos e perdeu os bebês sem nenhuma assistência. Muito mais tarde, quando Lula
        estava preso, dona Lindu morreu de câncer.
          As irmãs de Lula trabalharam como domésticas, um irmão teve doença de Chagas, outro

        foi torturado pela ditadura militar. A primeira mulher de Lula morreu no sétimo mês de
        gestação, junto com a criança, possivelmente por negligência médica. Quando foi velada, o

        chão da casa em que viviam cedeu sob o peso do caixão.
          O filme conta muitas dessas histórias, mas é uma narrativa sem densidade ou nuances.
        Não parece uma vida, mas fatos encadeados.
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