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Na esfera do indivíduo, tratar a depressão apenas com medicamentos é tornar ilegítima a
dor de quem dói. É dizer ao depressivo que o que ele sente não merece ser escutado porque
é produto apenas de uma disfunção bioquímica. É reforçar a crença de que o depressivo não
tem nada a dizer sequer sobre ele mesmo. É cristalizar o estigma. Sem contar que tentar
calar os sintomas da depressão à custa de remédios leva ao embotamento da experiência,
ao esvaziamento da subjetividade. O que se sente é silenciado — e não elaborado. E, ainda
que alguém achasse que vale a pena se anestesiar da condição humana, o efeito do remédio,
como bem sabemos, é temporário.
Para alguns, encontrar médicos que resolvem tudo apenas com pílulas vai ao encontro de
suas próprias crenças — e de sua necessidade de proteção. É mais fácil acreditarem ser
vítimas de uma doença, uma disfunção que está fora deles, a pensar que é um pouco mais
complexo e mais difícil de lidar do que isso. É mais fácil do que aceitar que cada um, como
sujeito psíquico, está implicado nesse mal-estar. Eu tomo remédio e não preciso pensar que
algo me incomoda. Eu engulo uma pílula e não preciso lidar com a inadequação que me faz
sofrer.
É possível compreender que, para quem já está na contramão do mundo e é visto muitas
vezes como um estorvo, ajuda não ter ainda mais essa “culpa”. Tranquiliza pensar que aquela
dor que está sempre ali foi causada por uma disfunção involuntária dos neurotransmissores.
E que pode ser resolvida com um comprimido.
O problema é que a realidade mostra que não é tão simples assim. Quem já fez tratamento
com antidepressivos sabe que “curar” uma depressão não é o mesmo que tratar de uma
micose ou mesmo de uma pneumonia. Não basta tomar remédio: é preciso expressar a dor,
é necessário elaborar o sofrimento e, em geral, mudar a vida ou a forma de olhar para a vida
e para si mesmo.
Ao conversar com minha filha sobre esse tema, ela fez um comentário que cabe nesse
contexto. “É curioso como os filmes de ficção científica sempre usaram aquela imagem
terrorífica de seres humanos levando uma injeção na nuca e se tornando embotados. Isso
era assustador e nos assustava”, disse. “Agora, o que assustava passou a ser a vontade das
pessoas. Elas querem tomar uma pílula, ou uma injeção na nuca, e ficar embotadas.”
Maria Rita sugere que vale a pena para todos — e não apenas para os depressivos —
pensar o que a depressão está nos dizendo sobre nosso mundo. É isso ou continuar
assistindo, impotentes, ao crescimento da epidemia, que atinge não apenas adultos, mas
adolescentes e crianças, cada vez mais cedo. É preciso prestar atenção nesse mal-estar no
mundo, escutá-lo, de verdade e com verdade, sem cair nos contos de fadas contemporâneos
que transformam todos os monstros em déficits bioquímicos. Ao contrário de todas as
profecias, a indústria farmacêutica não vai nos salvar de uma vida sem vida.