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Cada  época  cria  seus  proscritos.  Na  época  da  euforia  e  da  velocidade,  nada  mais
        desafinado do que um depressivo. Se, em vez de hoje, o depressivo, então chamado de

        melancólico, vivesse no romantismo do final do século 18, “estaria tão adequado à cultura e
        aos valores de sua época quanto um perverso hospedado no castelo do marquês de Sade”.
          Hoje, porém, os depressivos parecem ser não só os portadores de uma má notícia, mas de

        uma  doença  contagiosa.  Quem  quer  ter  por  perto  alguém  que  sofre  num  mundo  cuja
        existência só se justifica pelo sucesso e pela felicidade plena? Num mundo em que todos têm

        de estar “de bem com a vida” para merecer companhia?
          O depressivo não apenas sofre, mas silencia num mundo em que as pessoas preenchem
        todos os espaços com sua voz. E não apenas silencia, mas em vez de preencher seu tempo

        com dezenas de tarefas, uma agenda cheia, se amontoa no sofá da sala e nada quer fazer.
        Não  só  é  lento,  como  chega  a  ser  imóvel.  Sua  mera  existência  nega  todos  os  valores

        propagandeados dia após dia ao redor de nós — e também pelo nosso próprio discurso
        afirmativo e de autoconvencimento.
          Ao existir, o depressivo faz uma resistência política passiva ao establishment. Obviamente,

        ele não é um ativista nem tem consciência disso e preferiria não sofrer tanto. O que Maria
        Rita nos propõe é enxergar a depressão para além dos aspectos clínicos. Enxergar também

        como sintoma da sociedade em que vivemos. Como a psicanalista competente que é, o que
        ela nos propõe é escutar. Nesse caso, escutar o que a depressão tem a nos dizer quando
        escutada como sintoma social, como expressão de um mal-estar no mundo.

          Os medicamentos podem fazer diferença nas depressões graves num primeiro momento,
        para arrancar da apatia e possibilitar uma elaboração dessa dor que permita lidar com a vida

        de uma forma menos paralisante. Inclusive para romper com o imobilismo e buscar uma
        escuta pela psicoterapia ou pela psicanálise. Mas acreditar que a medicação resolve tudo é
        calar a dor de quem a vive. E, no âmbito social, é ignorar o que ela diz sobre o que há de

        torto em nosso mundo.
          Afirmar que a indústria farmacêutica resolve tudo é tentar silenciar o impossível de ser

        silenciado, como prova a escalada das estatísticas da depressão. Na esfera social, significa
        dizer que é uma ótima vida correr desde que acorda até a hora de dormir, sem ter um minuto
        sequer para elaborar o que de bom e de ruim viveu naquele dia. Como o coelho da Alice,

        sempre com pressa, com pressa, com pressa... Sem tempo para viver a experiência. Ou, como
        diz Maria Rita, vivendo no tempo do outro.
          Acreditar que a epidemia mundial de depressão pode ser erradicada com pílulas é afirmar

        que no nosso mundo nada falta. E um pouco mais grave que isso: é acreditar não apenas que
        é  possível  atingir  uma  vida  em  que  nada  falte,  como  atingi-la  é  uma  mera  questão  de

        adaptação, proatividade e saúde.
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