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Em nome da profana missão de arrancar a maternidade das nuvens e devolvê-la ao chão
esburacado da humanidade, vou dar a minha cara para bater ao falar de minha experiência
pessoal. Ou, visto de outra forma, vou deslocar um pouco a maternidade da santidade da
Virgem Maria — uma mãe tão vocacionada que conseguiu engravidar sem conhecer um
homem — e transferi-la para o panteão das deusas da mitologia greco-romana — algumas
delas capazes de devorar os próprios filhos se eles enchessem o saco.
Eu, por exemplo, até o fim da gravidez não sabia se dentro de mim havia um bebê ou um
alien. Era uma adolescente daquelas bem magras. E o bebê foi crescendo dentro da minha
barriga. Eu sabia que era um bebê, óbvio, toda a cidade sabia. E o fato de saber não eliminava
o estranhamento de ter algo vivo crescendo no meu útero. Afinal, até ontem não havia nada
ali. E, agora, minha pele espichava, estrias apareciam. Tudo no mais absoluto silêncio.
Um belo dia, eu fui ao consultório e o médico colocou um aparelho na minha barriga. Todo
animado, amplificou o som do coração do bebê. Achei emocionante. Mas fiquei pensando:
como assim? Tem outro coração batendo dentro de mim além do meu? É lindo, claro. Mas,
com um pouco de boa vontade, dá para compreender que também é aterrorizante.
Mais um tempo e o bebê começou a se mexer dentro de mim. No início, era algo
imperceptível. Eu achava que estava apenas passando mal do estômago. O bebê começou a
chutar com mais força. Chamei toda a família porque sabia que era um grande momento. A
partir desse dia, minha barriga virou uma parada de mão pública. Ela não era mais minha.
Era dele, do ser dentro de mim, e de todas as pessoas que achavam aqueles chutes a coisa
mais fofa do mundo. Virei uma mesa onde todos descansavam a mão e diziam: “ohhhhh”.
À noite, ficava pensando que aquele pequeno alien dentro de mim estava se alimentando
de mim. Era impressionante. E também um terror. E ele continuava crescendo. E espichando
a minha barriga até proporções inimagináveis. Onde estava escondida toda aquela pele?
Numa dessas noites, tive um insight. Aquele ser não mais tão pequeno teria de sair de
mim. De uma maneira ou outra. Tirei meus neurônios de todos os projetos paralelos e,
histérica, concentrei-os na tarefa principal: descobrir um jeito de o pequeno pimpolho sair
de onde estava sem que fosse pelo parto ou por uma cirurgia. Nada. Nenhuma mínima pista.
A partir daquele momento, eu não queria mais que o bebê saísse de dentro de mim. Que
ficasse ali pelo resto da vida. Eu já tinha me acostumado com aquelas calças largas. Poderia
viver com elas por mais cem anos. E já tinha esquecido como era bom dormir de bruços. Mas
o ultrassom não mentia. A coisinha agora era uma coisona. E crescendo. Dava até para saber
se era menino ou menina. Mas eu não queria saber. Que fosse uma surpresa. Internamente,
ainda não tinha sido abandonada pela ideia de que, no final das contas, era um alien que
morava ali.
E então, lá estava eu, ao final de uma manhã de domingo, estudando para uma prova de
química inorgânica do segundo ano do ensino médio, quando senti uma dor esquisita. Até