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hoje cumprimento a Maíra pelo oportuno da hora. Nunca mais precisei fazer aquela prova.
As dores foram aumentando e não pararam mais. Até hoje não entendo aquela história dos
intervalos que vão encurtando progressivamente. Para mim, foi uma contração atrás da
outra, até às 11h43min do dia seguinte. Minha sensação era de que alguém enfiava a mão
dentro de mim e abria meus ossos. E eu era obtusa demais para aprender a fazer respiração
de cachorro. Não esbocei um gemido. Tinha decidido há muito tempo não dar o gosto de me
ver sofrendo para ninguém. Só fechava os olhos quando a dor se tornava impossível.
Quando chegou a hora, o médico, que também era professor da faculdade de
enfermagem, trouxe uma meia dúzia de alunos para assistir ao espetáculo do parto natural.
Sem me perguntar, óbvio. Para quê? Eu era só uma paciente. Foi bastante tranquilizador
estar com as pernas abertas, na missão — que ainda naquela hora me parecia impossível —
de ajudar uma criança a sair de dentro das minhas entranhas, diante de uma plateia de
estudantes universitários com alguns poucos anos mais do que eu. Em seguida, o pediatra,
que depois virou deputado, tropeçou no soro e quase levou meu braço junto.
Mesmo que o mundo exterior fosse inóspito, o pequeno alien nasceu. Era uma menina.
Com uma cabeça em formato de ovo, toda vermelha, e ainda assim linda. Nesse momento,
me senti uma deusa.
Depois, de novo bem humana, nós duas fomos para casa. Eu olhava para ela. Ela olhava
para mim. E nós duas chorávamos. Era um bebê lindo, que eu começava a amar. Ao mesmo
tempo, ainda era uma espécie de alien. Dentro do meu cérebro — e do meu coração — eu
me perguntava: “Quem é esta?”. E depois: “O que eu faço agora?”.
Algo profundo de mim não entendia quem era aquele ser que até ontem estava dentro e
de repente estava fora, cheio de exigências. Então, fomos nos conhecendo, nos amando, e
aí começou uma outra história.
Parir outro ser é um ato de vida. Sempre ouvimos e acreditamos nisso. E é verdade. Mas
também é um ato de morte. Quando damos à luz um filho, nunca mais seremos as mesmas.
Ter espaço para pensar, falar e lidar com essa morte simbólica é importante para seguir a
vida. E fazer dela algo que valha a pena.
8 de fevereiro de 2010