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O primeiro texto que escrevi, aos nove anos, foi inspirado pela abissal melancolia de um
        domingo  de  manhã  em  que  eu  estava  sozinha  enquanto  todos  em  casa  dormiam.  Era

        escrever ou a melancolia me engolir. Aos 11 anos, eu já tinha um livro de poesias. Todas elas
        elaboravam momentos diversos da minha dor de existir. Para mim, a escrita foi a maneira
        que encontrei de elaborar a minha angústia, “os meus nervos”. Acabei fazendo disso um

        projeto de vida.
          Já vivi muitos momentos duros, inúmeros traumas. Posso afirmar, sem exagero, que fui

        vítima da maioria dos artigos do Código Penal, com exceção de assassinato. Me descobri
        algumas vezes dançando à beira do precipício. E por duas vezes na minha vida precisei de
        medicamentos.  Tive  a  sorte  de  encontrar  profissionais  competentes,  humanistas,  que

        acreditavam no que faziam, no que eram. O uso de medicamentos foi pontual, parcimonioso,
        controlado e com tempo para acabar. Sempre acompanhado por sessões de psicanálise.

        Superei cada um deles não me anestesiando, mas elaborando a dor. E criando furiosamente.
          Tudo o que vivi uso para escrever. E tudo o que vivi me ensinou a escutar. Quando entro
        na casa das pessoas como repórter e elas me mostram seus medicamentos, o que esperam

        de mim é que as escute. E é o que talvez eu faça de melhor. Fico horas em suas casas, apenas
        ouvindo. Escutando de verdade. A narrativa da vida é um reconhecimento da vida. A escuta

        da dor é um reconhecimento da dor. Se alguém que sofre procura um médico e, em vez de
        escutá-lo, o profissional o entope de comprimidos, o que aconteceu ali não é promoção de
        saúde, é promoção de doença. E o médico que se sujeita a isso pode estar tão doente quando

        aquele que o procura. O sistema de saúde não pode funcionar como um reprodutor de
        impotências. Uma linha de produção de impotências, que em vez de apertar  parafusos,

        coloca bolinhas na boca. Como sabemos por pesquisas, é significativo o número de médicos
        que não apenas dopa, mas também se dopa.
          Promover saúde é promover vida. E a vida começa pela escuta da vida. É o que faço como

        contadora de histórias reais. Mas quando as pessoas me mostram uma lata de comprimidos,
        que todos tomam, da criança mais nova ao avô, não é de mim que elas precisam. Para não
        me sentir impotente, escrevo este texto. Na esperança de que alguém me escute.

                                                                                                 31 de agosto de 2009
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