Page 75 - C:\Users\Leal Promoções\Desktop\books\robertjoin@gmail.com\thzb\mzoq
P. 75

eu  dizia  que  meu  desejo  era  me  reinventar.  Hoje,  passados  quase  cinco  meses  dessa
        mudança, descubro que, para me reinventar, é preciso antes me desconhecer.

          Foi uma surpresa para mim — como, por outros caminhos, está sendo para meus amigos
        tão diferentes do início deste texto. Hoje, não basta saber quem eu sou. É preciso também
        saber quem eu não sou. Para, então, saber quem eu posso ser. Vou tentar explicar melhor.

        Para nos estabelecermos na vida adulta precisamos construir um personagem. Não com a
        total liberdade com que muitos sonham e alguns se iludem que têm, mas com algum grau

        de livre arbítrio. Embora variem as nuances do que as pessoas pensam sobre cada um de
        nós, há algo que é geral, que emana desse personagem que criamos. E, aqui, quando me
        refiro à personagem, não há nenhuma relação com falsidade ou simulação. É tão verdadeiro

        quanto qualquer coisa pode ser verdadeira.
          Na  medida  em  que  esse  personagem  se  torna  convincente,  no  sentido  de  ser  bem-

        sucedido na sua relação com as várias esferas sociais, ele nos dá possibilidades e também
        nos tira possibilidades. Ele nos dá estabilidade, segurança, certezas, reconhecimento. Mas
        ele contém em si uma armadilha. Do tipo: “Bom, então é isso o que eu sou e esta é a minha

        vida, daqui em diante é só navegar”. Esse tipo de conclusão pode se tornar uma prisão se
        você achar que esse personagem é tudo o que você é. Ou que tudo o que havia para ser

        decidido na sua vida já está dado. Neste caso, a natureza fluida que nos habita vira cimento.
        E a busca, que é a matéria que move nossa existência, termina.
          O  que  descubro  —  e  que  tem  se  mostrado  um  caminho  bem  mais  difícil  do  que  eu

        imaginava que seria — é a necessidade de se manter, pelo menos em parte, estrangeiro à
        própria vida. Manter algo de si no vazio, uma parte de nós capaz de olhar para o todo como

        terra desconhecida, aberta para o espanto de nós em nós. Ou seja: é preciso ser capaz de
        olhar para nós mesmos com estranhamento para que possamos enxergar possibilidades que
        um olhar viciado tornaria invisíveis. Este é o processo de se desconhecer como uma forma

        mais profunda de se conhecer. Para novamente se desconhecer e assim por diante. Exige
        muita coragem. Porque dá um medo danado.

          Ao mudar minha vida para me reapropriar do meu tempo, um dos meus planos era me dar
        ao  luxo  de  ficar  olhando  para  o  teto,  por  exemplo,  sem  fazer  nada  que  pudesse  ser
        considerado  útil  ou  produtivo.  Queria  ser  um  pouco perdulária  com  o  meu tempo  num

        sentido novo. Em vez disso, tratei de ocupar todas as minhas horas com tarefas minhas, mas
        tarefas. Em vez de acordar às 6h30, como fazia quando tinha emprego e salário, passei a
        acordar às 4h30. Eu tinha tanto medo do vazio que resolvi preenchê-lo todo, a ponto de

        quase não dormir. Descobri que precisava abrir mão da covardia de não querer ter tempo
        para tudo o que não sei o que é. Demorei meses, me angustiei bastante, mas consegui me
        lambuzar de uma liberdade nova.
   70   71   72   73   74   75   76   77   78   79   80