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ser ou fazer outras coisas. Não negando a sua história, pelo contrário. Mas a usando para
        criar outros eus possíveis.

          Descobrir as outras possibilidades do que sou é, neste momento, minha maior tarefa. Para
        chegar  a  isso  preciso  me  perder  de  mim,  me  desconhecer.  Neste  sentido,  hoje  minha
        reportagem mais difícil é a busca destes outros personagens que moram no universo sem

        limites definidos do que sou. E que são tão verdadeiros quanto a repórter que sou. E que me
        tornarão melhor repórter do que pude ser antes de construir a chance de viver a verdade

        dessa busca.
          Um momento da vida que é apenas um momento, que também deve ser superado para
        que outros possam vir, já que não me interessa sair de um escaninho para cair em outro.

        Nada impede que amanhã eu descubra que ter um emprego e um formato de vida mais
        estável é o melhor para mim — ou que não, eu continue achando mais divertido viver com

        mais autonomia e menos dinheiro. Ou que invente um jeito novo que serve para mim, mas
        pode não servir para mais ninguém. O contrato que assinei comigo mesma é o de seguir
        coerente com a necessidade de me buscar.

          Quando minha amiga repetiu para mim o que disse ao analista — “Estou aqui porque quero
        me desconhecer” —, ela me ajudou a compreender melhor o meu momento. E eu pude dizer

        a meu outro amigo que ele precisa ter a coragem de se manter sem saber quem é por um
        tempo, para poder então descobrir o que quer fazer com seu desejo.
          Conto essa experiência aqui porque acredito que outras pessoas possam estar vivendo algo

        parecido, por caminhos e circunstâncias próprias — e acho importante refletirmos juntos.
        Manter  parte  de  nós  no  vazio  provoca  muita  angústia,  mas,  se  tivermos  a  coragem  de

        aguentar um pouco, nos leva a lugares desconhecidos e excitantes de nós mesmos. Não é
        nem que as perguntas mudem, mas é o jeito de fazê-las que precisa ser novo para que
        possamos alcançar respostas mais estimulantes. Tenho para mim que as grandes perguntas

        de todos nós são sempre as mesmas, o que muda é como buscamos as respostas.
          Acho que se desconhecer é sacudir o cimento que há em nós, colocado por nossas mãos e

        também pelas mãos ávidas de outros. E isso vale para tudo, até para coisas muito triviais.
        Como aquelas frases: “Fulano não come peixe” ou “Sicrano detesta sair de casa”. Se o fulano
        acredita que, porque não comia peixe aos dez anos, não vai comer aos 30, nunca vai saber o

        gosto de um tambaqui. Assim como nenhuma pequena ou grande aventura acontecerá ao
        sicrano, já que não se arrisca além da porta da rua, esmagado que está, no sofá da sala, pelo
        dogma que criou para si e que outros ajudaram a cimentar. Porque é só o começo. Destes

        pequenos dogmas se passa para outras verdades absolutas que dizem respeito a todas as
        áreas da vida. “Fulano é assim”, portanto fulano é imutável e, portanto, fulano está morto,

        mas não sabe.
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