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bizarro ou fora da casinha, do que gente que, em vez de julgar, catalogar e descartar aquele
que é diferente, escuta, aceita e acolhe. Este — e não o de Lars — é o comportamento mais
lunático do filme. Uma pena — não para os Lars da vida, mas para todos nós.
2 de agosto de 2010
12 A garota ideal é dirigido por Craig Gillespie (2007, EUA e Canadá).
A vida se faz nas marcas
Para mim não existe vida fora da palavra escrita. Passei quatro dias ouvindo, pensando e por
último falando sobre literatura em conversas na Casa de Cultura da FLIP (Festa Literária
Internacional), em Paraty. O debate me carregou para uma reflexão sobre as minhas marcas.
E penso que as marcas se inscrevem em nós primeiro como algo indizível. E depois as
transformamos em outra coisa que nos dá a possibilidade de viver. Em mim, elas viram texto.
Percebo então que palavras são marcas por escrito. E lamento as vidas que não querem ser
assinaladas pela vida.
Vivemos numa época que não quer ser marcada. A maioria de nós tenta escapar das rugas,
essas cicatrizes do rosto, de todas as formas — algumas delas bem violentas. Os sinais da
passagem do tempo, da vida vivida, são interpretados como algo alienígena, estranho a nós.
Estão ali, mas não deveriam estar. É quase uma traição. Urge então apagá-las.
É tamanho o nosso medo da velhice e da morte, que as marcas da vida vivida são
decodificadas como feias, quase repugnantes. Tanto que estamos diante de uma novidade:
as primeiras gerações de seres humanos envelhecendo e morrendo com os sinais não da
idade, mas das cirurgias plásticas. Sim, porque estas também são cicatrizes.
Não há jeito de morrer sem marcas porque não há como viver sem ser marcado pela vida.
Mesmo os bebês, que por alguma razão morrem ao nascer, já trazem no corpo a marca
fundadora: o corte do cordão umbilical que lhes arrancou de dentro da mãe. O umbigo é
nossa primeira cicatriz, aquela que nos unifica.
Se a tecnologia conseguir inventar um ser humano sem marcas é porque desinventou o
ser humano. Podemos talvez um dia apagar todas as marcas visíveis, tatuadas no corpo. Mas
nunca haverá uma cirurgia capaz de eliminar as marcas da alma. E esta é também uma
tentativa que temos empreendido com muito empenho. Por um excesso de psicologês, uma
leitura transtornada do pensamento de Freud, passamos a achar que tudo é terrivelmente