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Depois de examinar Bianca com o estetoscópio e auscultar a situação com os olhos e os
ouvidos, esta médica diz que não lhe parece que Lars tenha uma doença mental que o leve
a uma internação. Do jeito dele, Lars leva a sua vida, trabalha e não machuca ninguém. Para
a médica, Bianca chegou por algum bom motivo. Lars criou Bianca para ajudá-lo a resolver
um conflito. Quando o conflito for solucionado, Bianca poderá partir.
Neste caso, continua a médica, o melhor a fazer é acolher Bianca. “Mas ela é uma fantasia”,
diz o irmão. “Não”, diz a médica, “ela é real”. Está bem ali, na sala de espera do consultório.
Para Lars ela é real — e este é o título traduzido do inglês (Lars e a garota real). “Mas vão rir
dele”, retruca o irmão. A médica dá uma olhadinha e afirma: “E de vocês também”. Na
manhã seguinte, o irmão não se contém e diz para Lars que Bianca “é só uma coisa de
plástico”. Lars dá um sorrisinho, cochicha com Bianca e explica: “Bianca diz que Deus a criou
assim para poder ajudar os outros”.
A partir deste momento, o filme conta como a cidade acolheu a Bianca de Lars. Ou melhor,
como acolheu Lars. Embora a realidade dele parecesse bizarra para todos — e para cada um
à sua maneira — não o julgaram. Apenas o acolheram. Esvaziaram-se de seus preconceitos
para alcançá-lo, ainda que não pudessem entendê-lo. Não podiam entendê-lo nem ver o que
ele via, mas podiam amá-lo. Em vez de destruí-lo porque não podiam entendê-lo, como
acontece habitualmente, o amaram mais.
Se um Lars aparecesse perto de nós — e a verdade é que volta e meia aparece algum —, o
mais provável seria enquadrá-lo no escaninho de alguma doença mental e dopá-lo. Antes da
luta antimanicomial, os hospícios estavam cheios de gente parecida com Lars. Malucos,
lunáticos, delirantes, loucos, fora da casinha. Gente que, mesmo não tendo nenhum traço
de violência, nos perturba porque ouve vozes que não ouvimos, considera real o que para
nós é fantasia, desafia nossa suposta normalidade. Gente que, com a sua diferença, nos
perturba tanto que só conseguimos dar uma resposta violenta: a rejeição.
Dias atrás eu ouvia uma amiga contar sobre um primo que, desde que perdera uma pessoa
querida, passara a se comunicar com ETs. Ele toca a sua vida, continua sendo um jovem doce,
mas conversa com extraterrestres como se fossem velhos conhecidos. A família está perdida,
sem saber o que fazer. Minha amiga está preocupada porque teme que ele perca os amigos,
o emprego, a vida que construiu. Ao escutála, percebi que a angústia dela não se dava pelo
fato de o primo conversar com ETs, ainda que não acredite que eles existam neste mundo.
O problema é o que as pessoas ao redor farão com alguém que não faz mal para ninguém,
mas jura conversar com alienígenas. O problema é a capacidade de destruição daqueles que
acreditam em coisas aceitas como “normais” quando se descobrem diante de quem acredita
em coisas consideradas “anormais”. Sejam elas uma boneca inflável ou um ET.
Talvez o primo da minha amiga converse com ETs pelo resto de sua vida, talvez um dia os
ETs partam para outras galáxias onde existam outros garotos doces precisando ser escutados