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A rigor, não existem sinônimos perfeitos, uma palavra que tenha exatamente o mesmo
significado que outra. Há palavras que expressam quase o mesmo que uma outra. Mas o
quase, na língua como na vida, faz toda a diferença. “Cão” e “cachorro”, por exemplo. Parece
o mesmo. Mas não é. O cão contém um distanciamento, uma frieza, que o cachorro não tem.
Ou o cachorro expressa uma proximidade, contida na própria sonoridade da palavra, mais
comprida, musical e leve, que o cão jamais alcançará na sua dureza de uma sílaba só. Quando
tomamos tudo pelo mesmo, perdemos as nuances. Abrimos mão da graça.
Acredito que a resistência da palavra se dá na arte. Especialmente na música e na literatura
— seja ela oral ou escrita. E o empobrecimento da língua às vezes acontece nos meios de
comunicação de massa. Em programas de TV, por exemplo, que uniformizam a linguagem
por acreditar que, se não o fizessem, não seriam entendidos por todos. Só que não existe
uma linguagem padrão. O que existe é um vocabulário que se impõe pela hegemonia política
e econômica de um determinado grupo ou classe. No caso de muitos programas de TV que
se pretendem nacionais — e aqui não falo de nenhuma rede específica, até porque quase
todas seguem a mesma cartilha —, fala-se uma espécie de paulistanês e carioquês “culto”,
como se esta fosse a suposta língua portuguesa do Brasil.
Mas como, se o Brasil é exatamente a convivência e o diálogo de suas diferenças, se a
riqueza do país e da língua se dá na diversidade? Seria muito estúpido esperar que uma
ribeirinha da Amazônia usasse as mesmas palavras que um rapper da periferia de São Paulo.
Que rearranjassem as palavras da mesma maneira se vêm de uma história, de uma geografia
e de um estar no mundo tão diverso. Isso não os torna menos brasileiros ou faz com que
pertençam menos à mesma nação — pelo contrário. Esta diversidade expressa também na
linguagem é talvez a mais forte identidade do Brasil. Mas há que resistir ao seu apagamento.
Mesmo na internet, que muitos encaram como a eclosão das singularidades, duvido um
pouco que de fato seja isso que esteja acontecendo. Sem negar sua fabulosa importância, o
que vejo, por enquanto, é a reprodução de tribos que já existiam. Um diálogo entre iguais
que se fortalecem, o que não é pouco. Mas não um diálogo de diferentes, que é o que
poderia ser mais interessante. Ampliaram-se as vozes, mas parece que, para além de seus
pertencimentos, seguem surdas umas às outras.
Ao deixar o Rio Grande do Sul e ir para São Paulo, eu mudei de várias maneiras. A única
que lamento é a mudança que se deu pelas palavras. Para escrever no que se costuma
chamar de imprensa nacional — mas que é a imprensa paulista e (cada vez menos) carioca
—, abri mão de porções da minha identidade. Em vez de guri e guria, passei a falar e a
escrever menino e menina. Em lugar de tu, você. E assim por diante.
Mais do que trocar palavras, o que perdi foi uma paleta de tons e de cores. Eu era capaz
de expressar uma mesma realidade ou sentimento de várias maneiras, de nomear um animal
ou um objeto com diferentes palavras. Era herdeira de uma língua do interior do extremo