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Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização
reportagem sequer questionar porque o equipamento que continha césio
fora abandonado em uma área completamente inapropriada e exposta
à população. Em nenhum dos casos as causas dos eventos e soluções
possíveis foram exploradas e, quando são, geralmente repetem o sensacio-
nalismo imediatista corriqueiro desse modelo de jornalismo. A separação
do termo “meio ambiente” em mini temas também promove a descone-
xão do próprio termo: por vezes a mídia trata de assuntos profundamente
enraizados na questão ambiental sem sequer delinear a temática.
O terceiro fator é a manipulação da mídia na construção de processos
e eventos ligados ao conflito ambiental, que Hannigan (2009) chama de
manufaturação de notícias. Muito se deve à unilateralidade de fontes
jornalísticas, geralmente ligadas ao empresariado e ao poder público, e
raras são as oportunidades de comunidades locais e ativistas do campo
ambiental serem igualmente ouvidos e terem a oportunidade de debater.
Ainda nesse plano, outra estratégia de manipulação utilizada pela mídia
é a fidelidade incorruptível ao discurso científico ao se tratar da temática
ambiental. Dessa forma, dados científicos de difícil acesso e entendimen-
to para a maior parte da população são utilizados aos montes como forma
de passar credibilidade na notícia.
Em paralelo, é válido notar, também, as múltiplas lentes da construção do
próprio campo jornalístico e a operação para inclusão ou exclusão de ca-
racterísticas que componham o fato, desse modo delineando certas nuan-
ças específicas no contexto. Pierre Bourdieu (1997) é quem postula o termo
campo social, um espaço permeado de estruturas simbólicas e disputas en-
tre forças conflitantes em atuação com outros campos, relativamente cons-
truindo a sociedade. Entre eles, o campo jornalístico como um potencial
construtor de relações significativamente impactantes em outros campos
sociais, principalmente por se tratar de um campo produtor de discursos.
A operação do campo jornalístico observada por Bourdieu (1997) quase
sempre parte da segmentação do próprio processo de notícia e retirada de
autonomia do jornalista autor em prol do recorte econômico característico
ao qual a empresa jornalística se associa, ferindo inclusive o princípio da
neutralidade do trabalho jornalístico. Sob a luz de Bourdieu, a neutralida-
de não existe. Ao considerar-se o processo jornalístico enquanto uma pro-
dução simbólica, a neutralidade é automaticamente comprometida pois
apresenta uma carga de valores próprios do veículo de mídia que passa
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