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Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização

               da lama, preferindo a terminologia pluma de sedimentos, evitando igual-
               mente a retórica da onda, que enfatiza uma agência abrupta e incontida.
               Ao não usarem a linguagem da lama, tornavam a substância um objeto
               científico de maior neutralidade, negligenciando, no caminho, a possibi-
               lidade do sedimento conter toxinas, e até mesmo naturalizando o desas-
               tre (CREADO et al., 2017).

               A imagem da onda de lama, contudo, foi usada em outro evento acadêmico
               com profissionais do Direito. Aqui, pode-se pensar novamente na noção
               trazida por Hughes (2005) dos rios como lugares a respeito dos quais as pes-
               soas discutem sobre os potenciais, bons e ruins. O evento foi o que pode ser
               chamado de drama social, segundo Victor Turner, com diferentes posições
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               encenadas e confrontadas.  Foi realizado em outubro de 2016, em uma uni-
               versidade pública do Espírito Santo, com a participação de: (1) um defensor
               público; (2) um advogado; (3) um promotor; e (4) uma moradora de uma
               vila de pescadores autoidentificada como afetada pela lama da Samarco.
               O defensor público enfatizou as inúmeras dificuldades enfrentadas pe-
               los defensores para lidar com os efeitos da água sobre os humanos e os
               não humanos, devido à ampla extensão territorial do que ele chamou de
               “dano ambiental” (ZHOURI, et al., 2017). Ele, outros profissionais do meio
               jurídico, cientistas sociais e comunidades afetadas não consideravam os
               conceitos oficiais de afetados e de extensão territorial atingida como sa-
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               tisfatórios em comparação aos danos.
               Em seguida, o advogado assumiu um tom mais emocional.  Iniciou seu
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               discurso da seguinte forma:
                       Nós não estamos falando de desastre, nós não estamos falando de
                       acidente, nós não estamos falando de algo que foi provocado por
                       um terremoto, como muitos querem fazer acreditar! Nós estamos
                       falando de um crime! Não de qualquer crime! Nós estamos


               23   Veja, por exemplo, Walley (2004).
               24   “[S]uch policies characterize a mistake and a reduction: the mistake of classifying the
               disaster as a case of environmental conflict and a reduction of the latter to a sphere of nego-
               tiation between interested parties.” (ZHOURI et al., 2017, p. 88).
               25   Consultar Losekann (2017) a respeito das expressões emocionais em audiências públicas
               sobre os efeitos do rompimento da barragem da Samarco no rio Doce. Remontamos também
               à proposta de uma ecologia das emoções associada à água em Taddei (2014).




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