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Capítulo 10
O discurso dela trouxe referências a corpos de humanos e não humanos
afetados pela lama. Para ela, o desastre seria parte de um plano maior
para destruir os pescadores artesanais. A moradora associou o rompi-
mento da barragem com projetos prévios de desenvolvimento. Os confli-
tos internos de sua vila intensificaram-se depois da lama e da interdição
da pesca associada à lama. E ela questionou os laudos produzidos sobre
as condições das águas com o financiamento da Samarco: “se eu fosse a
empresa, jamais pagaria alguém pra produzir provas contra mim! Nun-
ca! Por mais... por mais credibilidade que tem esse laboratório, eu não ia
acreditar nesse laboratório.”
Haraway escreveu que “ninguém vive em todos os lugares; todo mundo
vive em algum lugar. Nada está conectado a tudo; tudo está conectado a
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alguma coisa.” (HARAWAY, 2016, p. 31). Esses são precisamente os sen-
timentos expressos nos discursos do advogado e da moradora da vila de
pescadores, ao fazerem suas demandas terrenas e aquáticas. Como Kane
(2012) observou a respeito das políticas para os rios, “atores envolvidos
em lutas pela água trilham para frente e para trás, vinculam eventos nos
sertões às cidades, tornam os padrões de exploração e resistência legíveis
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para audiências mais amplas.” Tais argumentos são sobre potência flu-
vial (HUGHES, 2005). Eles também são colocados em termos de direção
de fluxo — algo que Krause (2017) denominou de dimensões “fluviais”. O
fazer-espaço acontece “nos engajamentos dos que habitam as margens
dos rios com [alguns de] seus fluxos e nas histórias que fazem sobre…
parte deles, especialmente na pesca, nas viagens e no transporte” (KRAU-
SE, 2017, p. 279). As ondas possuem uma contundente direcionalidade:
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a onda de lama vem do passado para o futuro, do interior controlado por
corporações para a pesca e a recreação, realizadas na costa.
26 No original, em inglês: “nobody lives everywhere; everybody lives somewhere. Nothing is
connected to everything; everything is connected to something.”
27 No original, em inglês: “actors involved in aquatic struggles track back and forth, linking
events in hinterlands to cities, making the patterns of exploitation and resistance legible to wider
audiences.”
28 Reprodução do trecho no original em inglês: “‘riverbank inhabitants’ engagement with
and stories about… [a] river’s flows, especially in fishing, travel and transport.”
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