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Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização

               os empreendimentos multinacionais atuais.

               Em terceiro lugar, adveio o discurso do promotor, com uma linha argu-
               mentativa acadêmica ou “técnica”. Ele defendeu a necessidade do desen-
               volvimento de “uma tecnologia jurídica que possa dar conta de alguma
               medida documental que está sendo feita pelas entidades responsáveis” e
               da defesa dos “direitos”. A metáfora-chave aqui foi a de ondulações causa-
               das na água por uma pedra para pensar os “litígios de natureza irradiada”:

                       Eles são como uma pedra no lago. É como se você jogasse uma
                       pedra no lago e ela fosse procurando diversas outras. São atingi-
                       dos os que estavam no entorno da barragem, são atingidos o meio
                       ambiente, a fauna, a flora, são atingidos aqueles que moravam ao
                       longo do rio, são atingidos aqueles que bebiam a água do rio, são
                       atingidos aqueles que viviam do rio, são atingidos aqueles que
                       viviam do mar, todos são atingidos!

               A analogia aqui entre a radiação e uma onda sugere uma causa que origi-
               nou o desastre. A onda, em outras palavras, não aconteceu por si mesma;
               foi criada pela Samarco. Como Geertz (2003, p. 37) sugeriu sobre a analo-
               gia em ciência: “a teoria — seja esta científica ou não — avança principal-
               mente graças à analogia, um tipo de compreensão que “vê” aquilo que é
               menos inteligível através de uma comparação com o mais inteligível […],
               quando esta muda de curso, os conceitos através dos quais ela se expressa
               também se modificam.” No pronunciamento acima, o apelo à analogia
               não leva em consideração apenas as leis da natureza, mas também as leis
               criminais que poderiam apontar os responsáveis e os culpados.

               O pronunciamento final foi o de uma moradora de uma vila de pescado-
               res. Ela falou sobre as incertezas a respeito dos possíveis efeitos da lama
               na saúde humana e de outros seres:

                       Eles vão conseguir dragar o mar? Eles vão conseguir tirar isso do
                       mar? E com relação ao peixe contaminado... o peixe, ele não tem
                       um GPS, “é pra ficar paradinho aqui, óh! Aqui tá contaminado,
                       se eu sair daqui alguém vai, vai me comer!” Alguém vai pegar
                       pra comer... […] O peixe que tá na mesa de vocês, que vocês estão
                       comendo, está contaminado!






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