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Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização

               tão ambiental do estado do Espírito Santo apresentaram uma matriz de
               impactos, e um de nós (Creado) participou de um grupo de trabalho so-
               bre dimensões antrópicas.
               Algumas das medidas tomadas naquele momento, previstas em um do-
               cumento assinado entre os Ministérios Públicos Estadual e Federal com a
               Samarco, cuja denominação jurídica é Termo de Compromisso Socioam-
               biental Preliminar (TCSA), foram: (1) a remoção dos corpos mortos de
               animais e sua disposição em aterros sanitários; (2) o estabelecimento de
               bases de “govenança” nos municípios afetados; (3) a instalação de boias
               de contenção (de óleo) na foz do rio Doce; e (4) o monitoramento da qua-
               lidade das águas. Tais ações foram vistas com muita suspeita pelas comu-
               nidades locais.
               Membros da agência ambiental federal operando na foz do rio Doce de-
               sempenharam um papel proeminente no contexto pós-rompimento. Kane
               (2012, p. 1) escreve que “a infraestrutura costeira é dimensão material e
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               simbólica do Estado em conflito com a natureza.”  O mesmo ocorreu aqui.
               A segunda metade de 2015 já tinha sido um período de crise hídrica, quan-
               do houve uma redução nas chuvas, que, por sua vez, diminuiu a vazão do
               rio Doce e resultou na salinização das águas na foz. Esse rio desaguava
               no oceano apenas por uma estreita passagem da foz, ao norte, e, antes da
               chegada da lama, pescadores de Regência Augusta demandaram a aber-
               tura da foz, ao sul, de modo a facilitar a passagem dos barcos de pesca
               (CREADO et al., 2016; LEONARDO et al., 2017). Boias de contenção de
               vazamento de óleo foram instaladas na foz e técnicos de agências ambien-
               tais públicas tinham a expectativa de que a lama não se direcionasse para
               o sul. Expectativa posteriormente frustrada, dada a predominância da
               incidência do vento nordeste na região (MARTA-ALMEIDA et al., 2016).
               Um representante da agência ambiental federal explicou:

                       Nós estávamos preparando pra enchente […] e então estávamos
                       preparando a Barra Sul pra ser aberta [como também fora com-
                       binado com os pescadores, que almejavam acessar o oceano por
                       ali] e se a enchente entrasse... essa era a estratégia. Com o aciden-

               21   No original, em inglês: “coastal infrastructure is the material and symbolic
               dimension of the state in confrontation with nature.”




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