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Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização

               drelétrica, que exigiu que o curso do rio Doce fosse desviado por 12 quilô-
               metros, de modo que o lago e a casa de força permanecessem em Minas
               Gerais, e não no Espírito Santo. Uma posição de subordinação agora com
               possíveis efeitos tóxicos: "nós estamos aqui no ES, nós somos destina-
               tários do lixo". A água enlameada, então, mobilizou diferentes histórias
               (VAN VELSEN, 1987). Como o sugerido por Franz Krause, com base em
               seu trabalho de campo no rio Kemi, na Lapônia Finlandesa,

                       A água não apenas flui; ela flui em certos ritmos variados de in-
                       tensidades, tempos e direções, negociados pelo trabalho huma-
                       no, a infraestrutura e o canal do rio. E as práticas das pessoas des-
                       dobram-se em relação a esses fluxos aquosos específicos — assim
                       como, com certeza, em relação a muitos outros. A pesca e a pro-
                       dução elétrica ilustram com precisão que o fluir constitui articu-
                       lações de diferentes tipos, direções e tempos de movimento. Fluir
                       não é apenas a antítese da inércia. Fluxos de materiais particula-
                       res movem-se através, ao longo ou perpassam fluxos específicos,
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                       que, por sua vez, influenciam o fluir.  (KRAUSE, 2014, p. 89-102).
               A onda de lama mudou “a intensidade, o ritmo e a direção” do ritmo so-
               cionatural do rio Doce. Falar de onda de lama exige pensar sobre como
               lidar com a inesperada, e ainda inexorável, mistura entre artificial, tóxico
               e natural, e o envenenamento.















               19   No original em inglês: “Water does not simply flow; it flows in certain rhythms
               of varying intensity, tempo and direction negotiated by human labour, infrastruc-
               ture, the weather and the river bed. And people’s practices necessarily unfold in
               relation to these specific watery flows — as well as, of course, to a host of others.
               Fishing and hydroelectricity production illustrate precisely that flow is about the
               articulations of different kinds, directions and tempos of movement. Flow is not
               simply an antithesis to stasis. Flows of particular materials move through, along or
               past particular other flows, which in turn influence how they flow”.




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