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Capítulo 10

                    mas por uma gravação sonora, a reprodução do barulho do rompimento
                    da barragem e o que se seguiu, uma precipitação catastrófica da água.
                    Pode-se recuperar uma das primeiras reportagens sobre o rompimento,
                    com um relato sobre o som que inundou Bento Rodrigues: “Seguiram-se,
                    então, uma nuvem de poeira e o revoar dos pássaros. Os moradores do
                    vilarejo perceberam ali que havia algo errado. Em questão de minutos,
                    gritos e buzinas tomaram as ruas: a onda de lama se aproximava. Só havia
                    tempo para correr.” (GARCIA et al., 2015, s.p.).
                    Com a barragem construída em parte de areia e sedimentos (uma repre-
                    sa feita de terra, usando sistema de aterramento hidráulico), que aparen-
                    temente sofreu saturação por água durante muitos meses (BBC NEWS,
                    2016), o som da ruptura também deve ter sido o de “liquefação” da bar-
                    ragem (GARCIA et al., 2015, s.p.), o som da colisão de uma onda — remi-
                    niscência da passagem bíblica da escuridão da criação do mundo a partir
                    da água, embora trazendo a destruição ao invés da geração da vida. O
                    som da onda desintegrou-se em vozes de pessoas confusas — uma torre
                    de Babel reversa, não com as pessoas que construíram a estrutura que
                    colapsou, mas com as vítimas de um projeto coorporativo que deu errado.
                    Eventualmente a audiência escutava algo dos dez ou mais indivíduos no
                    palco. Cada um dos atores usava fones de ouvido, passando a sensação de
                    que transmitiam as palavras das pessoas as quais escutavam com muito
                    cuidado (o estilo “Verbatim” de teatro). Hotel Mariana ofereceu uma “inti-
                    midade sem proximidade” (STERLAC, 2000), um reencenar do desastre
                    de modo a gerar simpatia e fazer a onda importar para aqueles a que pro-
                    porcionou um testemunho virtual.
                    Desejando descobrir mais sobre as consequências do desastre, e sobre as
                    negliências que levaram a ele, pode-se recorrer (como fez Helmreich) a
                    um documentário interativo, no formato de realidade virtual, publicado
                    no YouTube em abril de 2016, cinco meses depois do rompimento. “Rio
                    de Lama: a maior tragédia ambiental do Brasil”, dirigido por Tadeu Jun-
                    gle, apresenta imagens que permitem ao usuário navegar em 360º. A fala
                    do narrador é intercalada com as vozes dos moradores que recordam a
                    vida em Bento Rodrigues antes do desastre. O filme possibilita ao usuário
                    navegar com o mouse através de imagens de destroços, objetos pessoais,
                    animais mortos e plantas destruídas, agora cobertas com a água lamosa
                    de tom alaranjado.




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