Page 269 - LIVRO - ENCONTRO DE RIO E MAR_160x230mm
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Capítulo 10
mas por uma gravação sonora, a reprodução do barulho do rompimento
da barragem e o que se seguiu, uma precipitação catastrófica da água.
Pode-se recuperar uma das primeiras reportagens sobre o rompimento,
com um relato sobre o som que inundou Bento Rodrigues: “Seguiram-se,
então, uma nuvem de poeira e o revoar dos pássaros. Os moradores do
vilarejo perceberam ali que havia algo errado. Em questão de minutos,
gritos e buzinas tomaram as ruas: a onda de lama se aproximava. Só havia
tempo para correr.” (GARCIA et al., 2015, s.p.).
Com a barragem construída em parte de areia e sedimentos (uma repre-
sa feita de terra, usando sistema de aterramento hidráulico), que aparen-
temente sofreu saturação por água durante muitos meses (BBC NEWS,
2016), o som da ruptura também deve ter sido o de “liquefação” da bar-
ragem (GARCIA et al., 2015, s.p.), o som da colisão de uma onda — remi-
niscência da passagem bíblica da escuridão da criação do mundo a partir
da água, embora trazendo a destruição ao invés da geração da vida. O
som da onda desintegrou-se em vozes de pessoas confusas — uma torre
de Babel reversa, não com as pessoas que construíram a estrutura que
colapsou, mas com as vítimas de um projeto coorporativo que deu errado.
Eventualmente a audiência escutava algo dos dez ou mais indivíduos no
palco. Cada um dos atores usava fones de ouvido, passando a sensação de
que transmitiam as palavras das pessoas as quais escutavam com muito
cuidado (o estilo “Verbatim” de teatro). Hotel Mariana ofereceu uma “inti-
midade sem proximidade” (STERLAC, 2000), um reencenar do desastre
de modo a gerar simpatia e fazer a onda importar para aqueles a que pro-
porcionou um testemunho virtual.
Desejando descobrir mais sobre as consequências do desastre, e sobre as
negliências que levaram a ele, pode-se recorrer (como fez Helmreich) a
um documentário interativo, no formato de realidade virtual, publicado
no YouTube em abril de 2016, cinco meses depois do rompimento. “Rio
de Lama: a maior tragédia ambiental do Brasil”, dirigido por Tadeu Jun-
gle, apresenta imagens que permitem ao usuário navegar em 360º. A fala
do narrador é intercalada com as vozes dos moradores que recordam a
vida em Bento Rodrigues antes do desastre. O filme possibilita ao usuário
navegar com o mouse através de imagens de destroços, objetos pessoais,
animais mortos e plantas destruídas, agora cobertas com a água lamosa
de tom alaranjado.
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