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Capítulo 10

                    presentações da onda em notícias, em uma produção teatral sobre a onda
                    e seus desdobramentos, em um documentário baseado em testemunhas
                    oculares e sonoras a partir do ponto de origem da onda, Bento Rodrigues.
                    Nós também seguimos a onda em narrativas colhidas rio abaixo, ouvindo
                    discussões políticas e legais e, ainda, desenvolvendo pesquisa sociológica
                    a partir de um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Espí-
                    rito Santo (UFES) (CREADO et al., 2016). Nós também baseamo-nos em
                    trabalho etnográfico desenvolvido por um de nós (Creado), conduzido em
                    uma das comunidades afetadas na costa brasileira, no estado do Espírito
                    Santo, na vila Regência Augusta. A vila é um local de turismo de “natureza
                    doméstica” (SUASSUNA, 2015), desempenhada em festividades locais, em
                    um projeto de conservação de tartarugas marinhas, e com o surfe (LEO-
                    NARDO et al., 2017). Nós procuramos seguir, nesse percurso, a materiali-
                    dade da onda, incluindo a presença de chumbo, arsênio e mercúrio.
                    Nós compreendemos a onda de lama como uma força material-semióti-
                    ca (HARAWAY, 1991), de forma a poder traçar sua jornada física e social
                    entre a barragem e a costa. A onda de lama é, simultaneamente, mais do
                    que uma descrição física e mais do que uma simples metáfora. É mais do
                    que uma descrição física porque a onda é uma figura simbólica que opera
                    uma força que se move ininterrupta e lentamente através do espaço e do
                                                                                     4
                    tempo, rapidamente levando à reformulação dos sentidos e percepções
                    de passado, presente e futuro das pessoas.  É mais do que uma metáfora
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                    porque a propagação física da lama (seja ela referida como onda, pluma,
                    turbidez ou camada) resultou em desastre ecológico e também fomentou
                    mobilizações políticas coletivas, como protestos e manifestações popu-
                    lares (LOSEKANN, 2017). A onda, então, constituiu-se em veículo para
                    rupturas materiais-simbólicas e para a contaminação, o que se dá de ma-
                    neiras distintas para diferentes constituintes.

                    A  ideia  de escrever sobre a  onda  como  processo  material  e  simbólico,
                    evento e trauma surgiu quando nós, os autores, encontramo-nos em uma
                    conferência de antropologia em São Paulo. Eliana Creado realiza pesqui-
                    sas de campo na foz do rio Doce e na costa do Espírito Santo desde 2010.


                    4   Senses é a palavra usada na versão em inglês, que abarca, ao mesmo tempo, sensações,
                    percepções e sentidos.
                    5   Compare, a respeito de inundações e afetos, com Whatmore (2013).




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