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Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização
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cidadãos e elites administrativas e industriais” (ALLEY, 2002, p. 239). O
livro de Alley é um trabalho de vanguarda em um assunto que agora ocu-
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pa muitos antropólogos: a viagem das toxinas através do ambiente. Espe-
ramos contribuir para essa literatura com um exemplo do Brasil que, no
entanto, é uma história com relevância internacional. Podemos oferecer
outras lições mais gerais do nosso caso, como os efeitos da desregulação
industrial no Brasil e a perda do controle contra a viagem (rápida ou len-
ta) das toxinas no ambiente. Assim, o rio Doce é, pace Raffles, um lugar de
memória e esquecimento. O rio Doce é, pace Rademacher, um lugar de
conflitos no presente. O rio Doce é, pace Hughes, um lugar de transfor-
mação no futuro (embora de modo mais negativo do que positivo). O rio
Doce é, pace Kelly and Richardson, um agente de progressiva, e mesmo
crônica, toxidade.
ONDA NÚMERO UM: A MEMÓRIA DO ROMPIMENTO EM BENTO
RODRIGUES
Para quem não vive em Bento Rodrigues e imediações, notícias da
onda de lama chegaram através de jornais e, também, posteriormen-
te, através de representações de arte politicamente engajada. Esses são
exemplos do primeiro tipo de conversa de onda mencionado — trabalhos
em que a imagem da onda é mobilizada para manter vivo na memória o
repentino, mas longa-e-continuamente (re)construído, desastre de enge-
nharia corporativa, de modo a prevenir que ele seja apagado, e chamar a
atenção para a sua magnitude.
Em maio de 2017, um de nós (Helmreich) assistiu a uma peça sobre o
desastre chamada Hotel Mariana. Encenada na Estação Satyros em São
Paulo, consistia de atores reproduzindo as palavras de moradores de
Bento Rodrigues, os quais foram entrevistados pelo diretor da peça. Ini-
ciou-se em silenciosa escuridão — uma escuridão quebrada não pela luz,
10 No original, respectivamente: “mother, goddess, purifier, and sustainer of all life” e “es-
sentialize the river as a changing resource affected by human activities; the river is affected
by urban growth, industrial production, and the practices of citizen and administrative and
industrial elites”.
11 Consulte Fortun (2001), Murphy (2006), Hecht (2012) e Li (2015). E, também, sobre
toxinas em rios, Richardson (2016) e Bozovic e Miller (2016). Já para influentes histórias
ambientais de rios, White (1996) e Pritchard (2011).
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