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Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização

               O documentário mostra o que ficou para trás após a onda rasgar a pai-
               sagem. Atenção especial é dada ao som — fenômeno evanescente que
               sempre trespassa a memória, recuperado para manter vivo o passado. O
               espectador/ouvinte escuta: (1) o som de um sino (e não de uma sirene,
               cuja presença alguns argumentam que teria salvado vidas); (2) um padre
               que relembra os gritos dos moradores no dia da ruptura; (3) um casal que
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               canta “Mando meu recado”,  a partir de onde antes encontrava-se sua
               casa; (4) uma adolescente cantando “Além do Rio Azul”, em um templo
               enlameado (“além do rio azul, as ruas são de ouro e de cristais, ali tudo é
               vida, ali tudo é paz, morte e choro nunca mais, tristeza e dor nunca mais,
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               morte e choro nunca mais” ); (5) uma senhora cujo choro ouvimos duran-
               te todo o filme. O narrador apresenta a demanda pelo Memorial de Ma-
               riana: “Em respeito à vida que aqui existiu, em respeito àqueles que aqui
               morreram, em respeito ao Brasil, é imperativo que se faça o Memorial de
               Mariana, para que essa tragédia não seja esquecida e nem repetida”. 14

               O diretor do documentário, Tadeu Jungle, aparece em outro vídeo. Ele diz
               ter escolhido uma narrativa que contrastasse as memórias “doces”, em re-
               ferência ao nome do rio, com a “terra arrasada”. Sua expectativa era criar
               maior empatia com o uso da realidade virtual. Enfatizou que a situação
               dos sobreviventes seria pior do que a de refugiados de guerra, por não
               terem o direito a sonhar com o retorno.  Reforçou a ruptura da barragem
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               como ato criminoso:
                       O meu objetivo com esse filme é que os criminosos sejam cul-
                       pados, porque foram extremamente levianos em não fazer um
                       exercício  anual  de evacuação  da  cidade,  de  não terem  sequer
                       uma sirene de aviso, caso a barragem rompesse, e agora essa as-
                       sistência impossível junto aos moradores; então, o meu objetivo é
                       que esses criminosos sejam culpabilizados, sejam presos e sejam


               12   Composta por José Nascimento Jesus.
               13   Composta por Carlos A. Moyses.
               14   RIO DE LAMA. Tadeu Jungle (diretor); Marcos Nisti, Rawlinson Peter Terrabuio, Tadeu
               Jungle (produtores); Academia de Filmes, Beenoculus, Maria Farinha Filmes (realizadores).
               Rio de Lama/River of Mud, 4 de abril de 2016. Disponível em: goo.gl/u1mTzg. Último acesso
               em: 12 de fevereiro de 2018.
               15   RIO DE LAMA/VISÃO DO DIREITOR. Tadeu Jungle. Disponível em: goo.gl/WxV-
               ZDN, publicado em 8 de abril de 2016. Último acesso em: 5 de novembro de 2017.




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