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Capítulo 10

                    não chegou, mas que, em um futuro próximo, chegará; essa foi a onda
                    como evento  antecipado, uma chegada de algo indesejado, advindo de
                    uma paisagem de mineração mais ao interior e relativamente mais indus-
                    trializada (basta considerar o próprio nome Minas Gerais) e que muitos
                    supunham distante e separada dos modos de vida costeiros. Quatro: a
                    onda (ou, às vezes, pluma) como uma força material-semiótica disputa-
                    da por representantes das empresas, gestores ambientais estaduais e fe-
                    derais, advogados e pescadores preocupados (ou não) com as maneiras
                    com que as ondas de lama — seja como forma ou matéria fora do lugar
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                    — atingiram e poluíram as ondas do oceano.  Essas ondas oceânicas não
                    são únicas, mas, pelo contrário, na visão de ativistas, são evidência am-
                    plificada da repetição do insulto da onda original da Samarco. A onda
                    de lama veio a ser uma amálgama de significados e materiais em disputa
                    (águas, sedimentos, toxinas), apresentando-se como algo que, ao mesmo
                    tempo em que se separa do rio e de sua foz, invade-os.

                    Antropólogos trabalhando com questões ambientais têm recentemente
                    direcionado a atenção para a água. Um subconjunto deles possui interes-
                    se pelos rios. Para Hugh Raffles (2014), tributários do Amazonas, como o
                    Igarapé Guariba, são notáveis por seus caminhos mutáveis, por sua eva-
                    nescência — e suas engenharias-humanas e histórias de manipulação
                                                                                     9
                    sempre esquecidas. Para Anne Rademacher (2011), as paisagens fluviais
                    de Catmandu são locais de conflitos sobre a conservação e a vida de mi-
                    grantes. Para David McDermott Hughes (2005), um rio como o Limpopo,
                    cruzando África do Sul, Moçambique e Zimbábue, é tanto um fluxo de
                    águas socialmente localizado, mas também, para alguns — como ativistas
                    da conservação e da biodiversidade —, um lugar com futuro potencial.
                    A análise de 2002, feita por Alley Kelly sobre o Ganges e sua qualidade
                    sagrada — como “mãe, deusa, purificadora, e suporte de todos os seres
                    vivos” —, versa sobre ativistas ambientais que, entretanto, “essencializam
                    o rio como um recurso alterado por atividades humanas; o rio é afetado
                    pelo crescimento urbano, pela produção industrial, e pelas práticas de



                    8   Nossa abordagem simbólica é influenciada por: Douglas (1966), Turner (2012), Van Vel-
                    sen (1987), Dawsey (2007), Geertz (2003), Wagner (2010) e Strathern (2011). Sobre o simbo-
                    lismo da água, veja Strang (2004).
                    9   Riverscape, na versão em inglês.




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