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Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização

               Stefan Helmreich, por sua vez, escreve sobre as ondas como forças ma-
               teriais e simbólicas e segue o desastre da Samarco (HELMREICH, 2014).
               Ambos são leitores do livro de Donna Haraway Staying with the Trouble,
               com reflexões sobre a seguinte passagem do livro: “Importa quais pensa-
               mentos pensam pensamentos. Importa quais conhecimentos conhecem
               conhecimentos. Importa quais relações relacionam relações. Importam
               quais mundos mundificam mundos. Importa quais estórias contam estó-
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               rias.” (HARAWAY, 2016, p. 35) .
               Como, nós nos questionamos, a imagem da onda importa? Que pensa-
               mentos permitem que ela seja uma possibilidade? Quais relações evi-
               dencia? Quais estórias possibilita contar? Para quem? Nós indagamos, no
               contexto do que Anna Tsing e colaboradores (2017) chamaram de “plane-
               ta danificado”, qual trabalho discursivo e político a imagem da onda pode
               assumir no sentido de ajudar ou obstruir os entendimentos do rompi-
               mento da barragem e de suas sequelas.
               Foi possível distinguir quatro principais estilos de conversas de onda nas
               discussões sobre o rompimento da barragem da Samarco e suas conse-
               quências, manifestados ao longo da trajetória de descida dos rejeitos na
               bacia do Rio Doce. Um: a imagem da onda em notícias, filmagens e do-
               cumentários, usados para abordar a repentina inundação causada pelo
               rompimento. Trata-se da onda com a força inicial do trauma, uma força
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               fora do lugar, uma força de rápida violência,  uma onda tornada conheci-
               da, em retrospectiva, no tempo passado, como uma materialização socio-
               natural de uma irresponsabilidade corporativa. Dois: a imagem da onda
               usada por representantes institucionais de uma municipalidade afetada,
               Baixo Guandu, para discutir a propagação de toxinas rio abaixo; aqui, a
               onda apareceu como risco presente e iminente para a saúde e o modo de
               vida, uma onda de lama/águas venenosas e deletérias misturando-se com
               as águas que sustentam a vida, com possíveis riscos à infraestrutura de
               uma hidrelétrica. Três: a onda debatida por engenheiros, representantes
               de governos e das empresas responsáveis pela barragem, ativistas e resi-
               dentes de Regência Augusta, na costa do Atlântico, como algo que ainda

               6   No original: “It matters what thoughts think thoughts. It matters what knowledges know
               knowledges. It matters what relations relate relations. It matters what worlds world worlds.
               It matters what stories tell stories.”
               7   Sobre violência lenta, confira Nixon (2013).




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