Page 40 - LIVRO - ENCONTRO DE RIO E MAR_160x230mm
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Encontramos em Barra do Riacho uma situação de muitos e pronuncia-
               dos conflitos internos, mesmo entre os pescadores, que foram agravados
               pela questão da lama. A localidade vive (e vivia) muitos problemas tam-
               bém associados ao imprensamento pelos empreendimentos industriais e
               pela ocupação portuária, à migração pendular de trabalhadores e ao de-
               semprego. Eram muitas as queixas sobre prostituição, presença de tráfico
               e alto consumo de álcool e entorpecentes, bem como relatos de suicídios.

               Em Regência, as medidas pós-lama também engendraram conflitos in-
               ternos e desconfianças. A distribuição do cartão da Samarco, como é cha-
               mado o auxílio emergencial pago pela empresa, deixou de incluir muitos
               que teriam direito imediato a seu recebimento. Os cadastros e a definição
               do perfil dos atingidos aptos ao recebimento, realizados pelas empresas,
               seus consultores e pela Fundação Renova, somaram-se a essa situação. A
               impossibilidade de manter a vida como ela era antes — sem as incertezas
               ora presentes em atividades cotidianas como a pesca, o surfe, o lazer, a
               alimentação, e com a alteração da paisagem e dos ciclos das águas e de
               seus seres — produziu muito sofrimento, evidenciado em relatos que en-
               fatizavam casos de depressão e tristeza, havendo variações conforme os
               indivíduos, as idades, os gêneros, as condições socioeconômicas prévias
               e, até mesmo, conforme as posições religiosas ou espirituais.

               Como é possível perceber, o crime-desastre trouxe drástico cenário às lo-
               calidades atingidas, agravando ainda mais a complexa situação de algu-
               mas delas, e foi o propulsor de danos socioambientais e emocionais àque-
               les que vivem das águas e dos entes do rio Doce e do oceano Atlântico. A
               contaminação representou e ainda representa a materialização de danos
               e perdas promovidos por um grande projeto de desenvolvimento que liga
               Espírito Santo e Minas Gerais, a atividade mineradora, na sua forma ra-
               dical e abrupta de ignorar as histórias de vida de centenas de pessoas,
               entendendo-as apenas como externalidades socioambientais do processo
               de exploração e comercialização minerária. Junto disso, as dinâmicas do
               espalhamento da lama, ainda em disputa, demonstram quão expansivas
               foram as consequências desse desastre cujos limites permanecem em (re)
               atualização: seja no reconhecimento oficial, científico ou jurídico de no-
               vas áreas e novos grupos de atingidos; seja na constatação de novos danos
               e perdas por diversos grupos de pesquisadores; seja no surgimento de no-
               vos movimentos clamando por reconhecimento enquanto atingidos.




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