Page 8 - Revista - Rio e Mar
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na agricultura. A caça também era praticada nas matas  o roncador, chicharro, alaruja, pescadinha, peroá. Sumiu tudo.
            locais, como disseram os pescadores Juvenal, 95 anos, e   (...) Tem mais de cinquenta anos. Esse cação sumiu. O cação
            Eutálio, 77 anos.                                     espada. Tintureira. Era um cação que nós pegava aqui, era um
                                                                  cação brabo, tinha aqui, pegava no espinhão de corrente, bo-
            A pesca era realizada em barcos a remo e a vela, não   tava na corrente, pegava ele o cação tintureira. Cabeça chata,
            havia barco a motor, segundo o senhor Noel. Por con-  o cação martelo, o cação paná. Sumiu tudo. Cação manteiga,
            ta disso, para alcançar os pesqueiros mais distantes, os  cação amarelo, cação durinho.” (Noel, pescador, 86 anos, fev.
            pescadores saiam por volta da meia noite para chegar ao  2017).
            local da pescaria às 7h da manhã. Nos barcos a vela, se o   “Quando esse rio tava bom pra pescar nós pescávamos, tinha
            vento estivesse contra, usavam o remo. Esse tipo de pesca  muito peixe aí nesse rio, muito robalo, tainha e outros peixes ca-
            vigorou até o período entre o final da década de 1970 e  racterísticos. Mas agora acabou, as águas mudaram muito aí, as
            1980, como calculamos a partir da fala de Anael, 56 anos.  firmas, essas companhias tomaram as águas tudinho nosso. Aí
            Era comum, também, a pescaria em pequenas e grandes   nós ficamos sem água doce, eles prenderam toda água doce lá e
            canoas de madeira feitas à mão. Depois, veio o barco a   nós só temos água salgada aqui, não vem a água doce pra cá. Ago-
                                                                  ra nós somos prejudicados por causa das firmas, esse rio nosso é
            motor, movido a gasolina, e, então, o atual motor a diesel.
                                                                  poluído, não é bom mais.” (Eutálio, pescador, 77 anos, set. 2017).
            As artes de pesca eram bem variadas, com o uso de anzol,
            rede, espinhel, tarrafa, entre outros apetrechos.
                                                                  O TEMPO PRESENTE E OS EMPREENDIMENTOS
            As histórias da vila, nos tempos áureos da pesca, foram
                                                                  Com a chegada das empresas, tudo mudou. Hoje, o IBGE
            narradas pelos pescadores mais velhos da localidade
                                                                  classifica Barra do Riacho como um bairro, com uma po-
            quando coletamos as suas histórias de vida em 2017. To-
                                                                                                              1
                                                                  pulação de 6.042 habitantes no censo de 2010.  Porém,
            dos reconheceram a fartura de peixes no passado. Nas
                                                                  os moradores da comunidade estimam que a população
            pescarias mais distantes da costa, que levavam de quatro
                                                                  seja de cerca de 10 mil habitantes. Em pouco mais de 40
            a sete horas mar adentro, o badejo e a garoupa predo-
                                                                  anos, Barra do Riacho alterou sua configuração, tornan-
            minavam. Na pescaria mais próxima da costa, os peixes
                                                                  do-se também um polo industrial (vide Quadro 2).
            mais comuns eram: tainha e robalo (ainda encontrados),
            sarda, pescada, pescadinha, peroá, corvina. Havia tam-  O mapa 1 mostra como o núcleo de Barra do Riacho está
            bém muitos tipos de cação que já não existem mais.    comprimido  pelas  grandes  empresas.  São  pelos  menos
                                                                  oito empreendimentos distribuídos num raio de até 2 km
            “Meu pai tinha uma [canoa] pequena. Então ele ia, eu ia pescar
                                                                  da localidade, demonstrando como a comunidade é afe-
            com ele. E trazia, assim, muito roncador, é um peixinho peque-
                                                                  tada pelos processos econômicos e pelas atividades indus-
            no assim, se vocês não conhecem, nós trazíamos muito. Pesca-
                                                                  triais e produtivas das empresas, as quais comprometem a
            da, cação. Cação aqui, minha filha, não tinha preço! Salgava
            porque ninguém queria comprar cação. Baiacu também deu   qualidade do ar, da água, dos rios e dos córregos da região
            muito. Baiacu demais aí tinha. Ninguém comprava. E agora ca-  e a própria atividade da pesca. As condições e os usos das
            ção e baiacu é peixe nobre. Só come quem tem muito dinhei-  águas doces, inclusive, tornaram-se motivo de muita preo-
            ro.” (Zuzu, pescador, 89 anos, fev. 2017).            cupação dos moradores, com queixas principalmente em
            “Ah, naquela época eu pescava.... um monte de peixe que desa-
                                                                  1 Fonte: http://populacao.net.br/populacao-barra-do-riacho_aracruz_
            pareceram nessa época agora, agora desapareceu aí a pescada,   es.html - Acesso em 02/04/2018.

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