Page 42 - Franz Kafka: A metamorfose
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progressão, escada abaixo, das três figuras, que ficavam ocultas no patamar de cada
andar por que iam passando, logo voltando a aparecer. no instante seguinte. Quanto
menores se tornavam na distância, menor se tornava o interesse com que a famí-
lia Samsa os seguia. Quando o rapaz do talho, subindo galhardamente as escadas
com o tabuleiro à cabeça, se cruzou com eles, o Senhor Samsa e as duas mulheres
acabaram por abandonar o patamar e recolher a casa, como se lhes tivessem tirado
um peso de cima. Resolveram passar o resto do dia a descansar e dar mais tarde um
passeio. Além de merecerem essa pausa no trabalho, necessitavam absolutamente
dela. Assim, sentaram-se à mesa e escreveram três cartas de justificação de ausência:
o Senhor Samsa à gerência do banco, a Senhora Samsa à dona da loja para quem
trabalhava e Grete ao patrão da firma onde estava empregada. Enquanto escreviam,
apareceu a empregada e avisou que iria sair naquele momento, pois já tinha acabado
o trabalho diário. A princípio, limitaram-se a acenar afirmativamente, sem sequer
levantarem a vista, mas, como ela continuasse ali especada, olharam irritadamente
para ela. - Sim? - disse o Senhor Samsa. A criada sorria no limiar da porta, como se
tivesse boas notícias a dar-lhes, mas não estivesse disposta a dizer uma palavra, a
menos que fosse diretamente interrogada. A pena de avestruz espetada no chapéu,
com que o Senhor Samsa embirrava desde o próprio dia em que a mulher tinha
começado a trabalhar lá em casa, agitava-se animadamente em todas as direções. -
Sim, o que há? - perguntou o Senhor Samsa, que lhe merecia mais respeito do que
os outros.
- Bem - replicou a criada, rindo de tal maneira que não conseguiu prosseguir ime-
diatamente -, era só isto: não é preciso preocuparem-se com a maneira de se verem
livres daquilo aqui no quarto ao lado. Eu já tratei de tudo. -O Senhor Samsa e Grete
curvaram-se novamente sobre as cartas, parecendo preocupados. Percebendo que
ela estava ansiosa por começar a delatar todos os pormenores, o Senhor Samsa in-
terrompeu-a com um gesto decisivo. Não lhe sendo permitido contar a história, a
mulher lembrou-se da pressa que tinha e, obviamente ressentida, atirou-lhes um
- Bom dia a todos - disse e girou desabridamente nos calcanhares, afastando-se no
meio de um assustador bater de portas.
- Hoje à noite vamos despedi-la - disse o Senhor Samsa, mas nem a mulher nem
a filha deram qualquer resposta, pois a criada parecia ter perturbado novamente a
tranqüilidade que mal tinham recuperado. Levantaram-se ambas e foram-se postar
à janela, muito agarradas uma à outra. O Senhor Samsa voltou-se na cadeira, para
as observar durante uns instantes. Depois dirigiu-se a elas:
- Então, então! O que lá vai, lá vai. E podiam dar-me um bocado mais de atenção.
- As duas mulheres responderam imediatamente a este apelo, precipitando-se para
ele e acarinhando-o, após o que acabaram rapidamente as cartas. Depois saíram