Page 533 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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Precipitou-se  pela  escada  enraivecido,  batendo  com  a  porta  do
                  camarote.  Mais  tarde,  deram  com  ele  completamente  mudado.  Estava
                  pálido e tinha lágrimas nos olhos.

                         – Não valeu a pena ter-me irritado tanto. Aslam falou comigo. Não
                  quero  dizer  que  esteve  aqui,  nem  caberia  no  meu  camarote.  Mas  aquela
                  cabeça de leão ali na parede tomou vida e falou comigo. Foi terrível com
                  aqueles  olhos.  Não  estava  muito  zangado,  apenas  a  princípio  um  pouco
                  severo.  Foi  horrível  de  qualquer  modo.  Disse...  Oh!  Não  podia  ter  dito
                  coisa  que  doesse  mais!  Vocês  vão  continuar:  Rip,  Edmundo,  Lúcia,
                  Eustáquio. Tenho de voltar, sozinho. Haverá coisa pior do que isso?

                         – Meu bom Caspian – disse Lúcia –, você sabia que mais cedo ou
                  mais tarde teríamos de voltar para o nosso mundo...

                         – Mas nunca pensei que fosse tão cedo – suspirou Caspian.
                         – Vai sentir-se melhor quando estiver na terra de Ramandu – disse a
                  garota.

                         Caspian animou-se um pouco mais, porém a separação era dura para
                  ambas as partes e não insisto em descrevê-la.

                         Cerca  de  duas  horas  mais  tarde,  bem  aprovisionados  (apesar  de
                  acharem que não precisariam comer ou beber), e levando a bordo o bote de
                  Ripchip, o bote maior afastou-se do Peregrino pelo tapete de lírios.

                         O Peregrino desfraldou todas as suas bandeiras e dependurou todos
                  os  escudos,  em  honra  à  partida  dos  amigos.  Antes  de  perdê-lo  de  vista,
                  viram-no voltar-se e dirigir-se lentamente para o Ocidente.

                         Lúcia derramou algumas lágrimas, mas não sentiu tanto quanto você
                  pode pensar. A luz, o silêncio, o odor inebriante do Mar de Prata, a própria
                  solidão eram muito emocionantes.
                         Não  precisavam  remar,  pois  a  corrente  os  impelia  continuamente.
                  Nenhum deles comeu ou bebeu. Durante toda aquela noite e no dia seguinte
                  foram  arrastados  para  o  Oriente.  Na  manhã  do  terceiro  dia  –  aquela
                  claridade seria insuportável para nós, mesmo com óculos escuros – viram a
                  maravilha. Era como se entre eles e o céu se erguesse uma parede cinzento-
                  esverdeada, tremente, vaporosa.

                         Depois nasceu o sol, e seus primeiros raios, vistos através da parede,
                  transformaram-se  num  deslumbrante  arco-íris.  Compreenderam  que  a
                  parede era de fato uma enorme onda caindo sem cessar, sempre no mesmo
                  lugar, e produzindo a mesma sensação de quando se olha da beira de uma
                  cachoeira.  Parecia  ter  seiscentos  metros  de  altura,  e  a  corrente  os  fazia
                  deslizar rapidamente na direção dela.
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