Page 651 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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músicos pararam de tocar; o silêncio era de morte. O príncipe, ajoelhado ao
pé da cama, começou a chorar.
Houve murmúrios e agitações. Todos de cabeça coberta foram
tirando os chapéus, os gorros, os elmos e os capuzes – inclusive Eustáquio.
Ouviu-se em seguida um farfalhar acima do castelo: o pavilhão narniano,
com o Leão em ouro, estava sendo hasteado a meio-pau. Lentamente,
implacavelmente, com gemidos de cordas e doloridas queixas de trompas, a
música recomeçou: uma ária de cortar o coração.
As duas crianças escorregaram dos centauros (que nem chegaram a
notar).
– Preferia estar em casa – falou Jill. Eustáquio concordou com a
cabeça, sem dizer nada.
– Aqui estou – disse uma voz profunda atrás deles.
Era o próprio Leão, tão luminoso, real e forte, que tudo o mais
começou a parecer pálido, embaçado. Antes que pudesse respirar fundo, Jill
se esqueceu do rei morto de Nárnia e se lembrou apenas de como causara a
queda de Eustáquio no penhasco, dos sinais esquecidos, das brigas e
impertinências acontecidas. Queria dizer “sinto muito” mas não conseguia
falar. O Leão, com os olhos, puxou as crianças para perto dele e tocou-lhes
os rostos pálidos com a língua. E falou:
– Não pensem mais nisso. Não me zango o tempo todo. Vocês
cumpriram a missão que lhes foi confiada.
– Por favor, Aslam – disse Jill –, podemos ir para casa agora?
– Podem. Vim para levá-los.
Aslam abriu a boca e soprou. Dessa vez não tiveram a impressão de
voar: em vez disso, era como se estivessem firmes no chão, e o hálito de
Aslam soprasse para longe o navio, o rei morto, o castelo, a neve, o céu de
inverno. Todas essas coisas flutuavam no ar como anéis de fumaça. Viram,
de súbito, que estavam envolvidos por uma brilhante luminosidade de
verão, em cima de um gramado, entre árvores grossas, à margem de um
riacho límpido. Perceberam que se encontravam de novo na Montanha de
Aslam, muito acima e muito além da terra de Nárnia. Estranho é que a
marcha fúnebre do rei Caspian prosseguia, sem que se pudesse dizer de
onde vinha. Caminhavam à beira do riacho com o Leão à frente: ele estava
tão belo e a música era tão angustiante, que Jill não sabia de onde lhe
subiam as lágrimas.
Aslam parou e as crianças olharam para o riacho. Lá dentro, nos
seixos dourados do leito do rio, estava o rei Caspian, morto, com a água
deslizando por ele como se fosse um cristal líquido. As longas barbas