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A história nunca se repete?

              O mundo parou. O que parecia ser inadiável passou inevitavelmente a não ser. Relembrando este
          último longo ano parece não haver nada de interesse para recordar.

                Saudade. Saudade é o sentimento que para mim melhor descreve o que senti nestes últimos tem-
          pos. Um sentimento tão português, tão único, tão intenso e tão insatisfatório.

                Saudades da família, dos amigos, saudades do ar incomparável do campo, saudades do cheiro a
          madeira ao lume, saudades do frio de inverno em casa dos meus avós, enfim, saudades da liberdade
          anterior ao vírus. Liberdade para esboçar um sorriso, liberdade para abraçar, tocar e sentir, que nos foi
          negada por um longo período e continua a sê-lo.

                Sem esquecer a tristeza, a tristeza de ver a nossa Lisboa deserta e sem brilho. Ruas desertas e as
          pessoas permanentemente desconfiadas daqueles que no silêncio da nova rotina tossem ou espirram.

                Um vírus que veio afastar as pessoas, as famílias, os amigos. Uma fase, esperemos que curta no
          tempo, em que cuidar e proteger os que mais amamos, significa o distanciamento. Parece contraditório.
                O que é que aprendi com a covid-19? Aprendi que tudo é temporário, que só controlamos o que a
          natureza nos permite controlar, que a maioria dos seres humanos são seres impulsivos e inconsequen-
          tes. Aprendi que nunca conseguimos verdadeiramente dar o devido valor às coisas que temos e toma-
          mos como garantidas, diz o senso comum que só acontece quando as perdemos. Aprendi que a maioria
          de nós se considera mais forte e inatingível do que realmente é e principalmente aprendi que mesmo em
          períodos de crise, o egoísmo parece dominar.

                Se vamos fazer algo diferente quando o vírus nos permitir? Acredito que não. E quando digo que
          não, não me refiro ao ato de abraçar ou sentir, nem me refiro a viajar ou sair à noite, falo em termos de
          valores e de aprendizagem.

                Se aprendemos a ser mais altruístas? Mais honestos? Mais honrados? Mais pacientes? Mais resili-
          entes? Creio que a maioria não.

                Crises do passado permitem perspetivar o futuro. A situação que enfrentamos pode ser comparada,
          embora em menor escala à devastação pelos fogos que quase todos os anos atinge Portugal. Devasta-
          ção esta que nem como exemplo de demonstração e de aprendizagem parece ter valor.

                Os egoístas não tomam precauções e continuarão sem limpar as suas matas porque acreditam que
          o fogo não os vai atingir. Os incendiários inconsequentes e sem compaixão continuarão a atear fogos. A
          solidariedade é pouca em comparação com a dimensão dos estragos e os apoios do governo não che-
          gam. As autoridades continuarão sem planear e sem tomar as devidas precauções, mesmo afirmando
          que estão preparadas e que têm os meios necessários.
                Cada vez menos responsabilidade social e cada vez mais notória a falta de civismo.

                Isto porque a dimensão do problema só se sente verdadeiramente quando somos atingidos por ele.
                Neste exemplo quando aplicado à situação covid, por analogia, os egoístas irresponsáveis simboli-
          zam os que se manifestam contra o uso de máscara e que acreditam que o vírus não os vai atingir. O
          fogo simboliza o vírus que não escolhe idades ou pessoas e que por vezes não se consegue evitar mes-
          mo tomando as devidas precauções. Os corajosos que enfrentam o fogo, bombeiros, são e continuarão
          a ser apenas lembrados e valorizados em situações de crise podendo ser comparados aos médicos e
          enfermeiros.

                Talvez seja uma perspetiva pessimista, talvez seja uma perspetiva de alguém que ainda pouco viveu
          e pouco aprendeu com o mundo, mas estou certa de que se nada fizermos, o futuro não será risonho.

                                                                                Leonor Antunes, n.º 12, 12.º CT2


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