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Através dos meus olhos


              Há cerca de um ano Portugal entrou em confinamento. Milhões de pessoas passaram a estar em
          casa sete dias por semana, em vez dos dois dias habituais. Milhares de pessoas começaram a traba-
          lhar no conforto das suas salas de estar, escritórios ou quartos. Os professores estrearam o “Ensino à
          Distância” e os alunos viram a sua autonomia ser testada.  Eu faço parte do último grupo referido e o
          meu objetivo neste texto é expôr um pouco das minhas vivências e visão do mundo, relativamente ao
          contexto que se tem vivido e ao afastamento das pessoas, provocado pelo mesmo.
               Em primeiro lugar, irei referir-me às rotinas. Durante um tempo esqueci-me do que eram. Ter que
          ficar em casa durante cerca de dois meses sem poder sair acabou por fazer com que deixasse de ter
          noção de quando são horas de estudar, lazer ou realizar as tarefas domésticas. Por exemplo, quando
          tinha aulas durante o dia todo em regime online, era como se estivesse sempre na escola, sem conse-
          guir “ir para casa”. Ou seja, o facto de estar tantas horas a estudar no lugar que antes correspondia a
          descanso, fez-me começar a associar casa a trabalho escolar.
               Por outro lado, nos dias em que apenas tinha uma aula, acabava por passar grande parte do tempo
          a realizar tarefas domésticas. Ou seja, as associações mentais de espaços a tarefas e a falta de uma
          organização mais complexa resultou num cansaço aparente, logo, numa vivência mais negativa neste
          aspeto e num afastamento físico, pois não existia motivação ao final do dia para conversar com os ami-
          gos ou familiares.
               Em segundo lugar, uma das consequências, a nível pessoal, do contexto social atualmente vivido
          tem sido a forma de ver atitudes do passado. Visto que neste momento vive-se em distância, o calor
          humano deixou de ter um sentido literal, e as emoções despertadas pelo mesmo estão algures guarda-
          das na memória. De facto, há dois anos era possível num festival, por exemplo, abraçar um desconhe-
          cido ao som de uma música de que se gostasse. Pensar nesta atitude nos dias de hoje provoca em
          mim uma sensação de irresponsabilidade e estranheza.

               De seguida, devo referir-me à realidade observada e percecionada por mim. Por outras palavras,
          dizer o que tenho visto no comportamento das pessoas à minha volta e da sociedade em geral, o que
          penso e sinto a partir disso. Com o passar deste último ano tenho vindo a reparar que a maior parte
          das pessoas ao meu redor tem ficado sem esperança. Mais corretamente, sem esperança de melhoria
          do ‘estado clínico do Mundo’, de diminuição da percentagem de proliferação do coronavírus e, por con-
          sequência, diminuição dos casos de infeção. Tenho observado mais uma atitude de aceitação e tentati-
          va de viver em conforto com as restrições em vigor e, neste caso, é possível generalizar para o com-
          portamento social. Por exemplo, vejo que as pessoas continuam a passear, a tomar uma refeição no
          exterior e a praticar atividades que lhes dão prazer, em pares ou pequenos grupos, mas deixei de ouvir
          com frequência a frase, “Quando tudo melhorar e a Covid passar”.
               Efetivamente, passou a valorizar-se mais o momento em vez de se esperar para desvendar o que o
          futuro reserva a cada pessoa.
               Contudo, a distância social obrigatória tem provocado a criação de grupos íntimos, compostos por
          pessoas com algum tipo de relação que escolheram interagir maioritariamente apenas entre si. Portan-
          to, apesar de continuar a haver saídas, observo que as mesmas são feitas de forma mais privada, logo,
          perto das outras pessoas, mas com contacto limitado.
               Para concluir, as ideias a reter neste texto, a partir das minhas vivências e observações, são: a de
          que a necessidade de confinamento gerou em mim uma desorganização biológica e mental, bem como
          um isolamento inconsciente de familiares e amigos; o aumento da frequência de questionamento sobre
          as atitudes do passado; a espontaneidade na tomada de decisões, maioritariamente em grupos íntimos
          de forma a respeitar o distanciamento físico e manter a socialização. Logo, o distanciamento físico
          aproximou o importante e afastou o supérfluo.
                                                                             Mariana Azevedo, n.º 17, 12.º CT3

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