Page 58 - Cassandra
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UMA CRÍTICA À ARTE MODERNA






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          Q
              uando me foi pedido para examinar a mais recente criação do meu amigo, eu jamais teria imaginado o quão distorci-

        da era a sua mente. Ele descreveu-me a sua obra como a sua visão do sentido da vida. Algo pouco comum para um artista
        representar, visto que cada um tem a sua interpretação para o sentido da vida e da condição humana. Parecia-me até algo

        um pouco abstrato demais para se representar fisicamente. Mas, enfim, lá concordei em examinar a sua obra. Para isso, diri-
        gimo-nos ao seu atelier.


              Durante todo o caminho, ele não se cansou de enaltecer o seu trabalho. Considerava que era esta a obra que mudaria
        o rumo da sua carreira. Chegou mesmo a declarar que este seria o seu legado para as gerações vindouras. Mostrava-se com-

        pletamente enlouquecido, convencido e pretensioso.

              Quando entrámos na sala, os meus olhos ficaram ofuscados pela luminosidade. Holofotes iluminavam uma tela bran-

        ca… com algo avermelhado no centro do quadro. Ao aproximar-me, pude constatar que se tratava de uma gota de sangue.

        Recuei repugnado com o que via. Surpreendido, o meu amigo aproximou-se de mim e explicou-me que a gota de sangue
        representava o quão insignificantes somos em relação ao passar eterno do tempo, um mero batimento cardíaco na eternida-

        de. Revelou-me também que o sangue na tela era seu.

              Naquele momento não consegui conter mais as minhas emoções e disse-lhe exatamente o que pensava da sua “obra”.
        Que era uma abominação, que jamais alguém conceberia a mensagem que ele pretendia partilhar e que a única coisa que

        essa sua pintura demonstrava era que estava a perder a sua sanidade. Certamente só um louco pensaria em pintar com o

        seu próprio sangue e nem que fosse pelo facto desse líquido ter pouca durabilidade na tela. Finalizei ao declarar que isto era
        um desperdício de tela e de eletricidade e que, se ele queria ter sucesso na carreira, teria de mudar radicalmente o seu estilo

        artístico e seguir uma corrente menos excêntrica e mais aprazível ao público geral, de forma a obter algum rendimento pelo
        seu trabalho.


              A seguir a este episódio, deixámo-nos de falar, certamente por ter ferido a sua sensibilidade artística. Ao que consta,
        ele ainda se dedica à pintura e as suas últimas criações são ainda mais extravagantes.








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