Page 11 - HOLOCAUSTO
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Covardia, cinismo e hipocrisia eram as bandeiras desfraldadas pela Igreja em nome do
Cristianismo, para torturar e matar os oponentes que não compactuavam com suas
“verdades”.
“Quando Antônio repetiu que não tinha mais confissões a fazer, a tortura
continuou, pelo menos durante seis meses subsequentes. Os prisioneiros assim
torturados eram incapazes de usar as próprias mãos”. Essas torturas duravam uma
média de quinze minutos, evitando que o réu viesse a desfalecer, o que nem sempre
acontecia. “Antônio José gritou várias vezes apelando para Deus. Não, porém para
Jesus, ou qualquer dos santos... apesar de batizado como cristão, se afastara da fé
católica e voltara-se para o judaísmo”. Qualquer detalhe era registrado no processo
para justificar a condenação.
Condenado mais uma vez ao “cárcere e hábito perpétuo”, seu veredicto foi
lido no auto-de-fé de 13 de outubro de 1726 na igreja de São Domingos. “entre os
presentes se achavam o rei D. João V, o príncipe Francisco e o príncipe Antônio,
muitos inquisidores, vários oficiais e um grande número de nobres e outras pessoas. O
réu prometeu sob juramento, sempre viver de conformidade com a santa fé católica,
permanecer obediente ao Santo Padre, o papa Benedito XIII, e submeter-se a castigo
apropriado em caso de reincidência”.
Antônio “aceitou” as condições do documento, comprometendo-se a guardar
segredo de “tudo o que ouvira e vira na prisão”, porém como não pudesse assinar, pois
as mãos estavam inchadas e cobertas por ataduras, ocasionadas pelas torturas, “o
escrivão Fabião Bernardes, assinou por ele em presença de testemunhas”. A 23 de
outubro de 1729 foi posto em “liberdade”. Sua mãe, Lourença Coutinho, presa em
1826 e sentenciada ao degredo por três anos para Castro Marim, interior de Portugal,
encontrava-se ausente.
Sua desdita ainda não teria fim. Gozando de certa tolerância, enamorou-se da
jovem Leonor Maria de Carvalho, sua prima, também judia, que veio a ser mais tarde
sua esposa e lhe deu uma filha. Casado, foi morar na “Calçada de Santa Ana junto ao
convento”, para facilitar as obrigações religiosas, “contribuindo com a sua bolsa para
as festividades da Igreja, inscrevia-se em Irmandades fora de Lisboa, visitava os padre
de Santo Antão e fazia todo o possível para ser bom cristão”.
Época de relativa paz para o nosso herói, “magro, alvo, de mediana estatura,
cabelo curto e castanho escuro”, ocupava-se em atividades literárias, lendo e
escrevendo peças teatrais que, encenadas, eram muito aplaudidas. Seu primeiro
sucesso foi a ópera bufa “A vida do Grande D. Quixote de La Mancha e do Gordo
Sancho Pança”. É claro que a irreverência dessa comédia que se tornou popular, vindo
a merecer uma impressão em folhetim, aumentou a desconfiança que a Inquisição
sentia pelo ex-judeu.
Em 1737, ano de estreia de sua obra-prima “As Guerras do Alecrim e da
Mangerona”, foi preso novamente junto com a mulher e a filha, por denúncia de uma
escrava de sua mãe, Leonor Gomes, de praticarem o judaísmo. Contou que “no
Sábado, toda a família trocava as roupas interiores e jejuava o dia inteiro. Gozando
boa saúde no resto da semana, fingiam-se doentes aos sábados a fim de não trabalhar
nesse dia, e não ir a missa no Domingo”. Espionado na prisão um carcereiro relatou
que Antônio recusava periodicamente o jantar, e suspeitava de praticar o jejum à
maneira judaica. Diante dos inquisidores detalhou que nestas ocasiões “movia os lábios
como se estivesse rezando”.
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