Page 223 - Girassóis, Ipês e Junquilhos Amarelos - 13.11.2020 com mais imagens redefinidas para PDF-7
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luta pela sobrevivência e os momentos preguiçosos dos seres que se deixavam
levar pela vida, apenas sendo o que sua natureza determinara que fossem.
O perigo para Cesar era iminente.
Mahoo e Loop estavam se esquecendo de vê-lo como a um ser especial.
Os contornos frágeis e trôpegos de Cesar e seu cheiro adocicado de uma velhice
senil começavam a se assemelhar com os movimentos assustados e nervosos e
com o aroma do suor e do sangue quente das pacatas criaturas que vagavam
pelas estepes e planaltos da paisagem andina servindo aos desígnios da
natureza e aos predadores na condição de potenciais presas.
Cesar Astu Ninan, encolhido na sua imensa dor e no espanto por uma missão
que ele apenas começava a descobrir, oprimido entre o medo de mergulhar no
infinito e absoluto vazio e o desejo de vencê-lo, e vencendo-o negá-lo, mas
para isso tendo que renunciar a vontade de se ocultar da responsabilidade que
se lhe afigurava imensa, fingia não perceber a mudança evidente nas atitudes
dos animais.
Ignorava o arfar surdo e assustadoramente ritmado dos olfatos que o
percebiam através das escuras reentrâncias nas pedras, o brilho cada vez mais
selvagem das pupilas âmbar que observavam a fragilidade do seu corpo
murcho e lhe mediam as forças esparsas e o frêmito suave dos músculos
poderosos, sempre prontos para o bote mortífero, que acompanhavam os seus
mais leves movimentos.
Optava por se deixar abater, entregando-se ao fim previsível e francamente
atraente por se constituir na transformação que asseguraria a continuidade,
ainda que limitada, das vidas de Loop e Mahoo, ou o revoltar-se que exigiria
a atitude do guerreiro que ele não conseguia mais se persuadir a ser.
Então, numa das tantas madrugadas em que o caminhar da lua prateada no
céu completamente coberto por estrelas anunciou o aproximar-se inexorável