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PONTO DE VISTA
Supremo, incansável guardião da
Constituição durante a pandemia
POR LUIZ FUX
o iniciar o ano de 2020 ninguém Rosinei Coutinho/SCO/STF se agravam ainda mais em face do toque
estava preparado para a assom- contextual do extraordinário e do impre-
Abrosa situação de pandemia a ser visível, uma vez que estamos submetidos
enfrentada em esfera mundial. Também a um cenário de difícil ponderação entre
nós, integrantes do Conselho Superior riscos, custos e benefícios em cada uma
da Magistratura, quando traçamos as das nossas decisões.
prioridades do biênio 2020-2021, jamais Diante dessa situação preocupante, o
imaginávamos que grande parte do pla- desafio de enfrentar essa crise é relevan-
nejado seria alterado, em pouco mais de te, porém, maior deve ser o sentimento
dois meses, pelas novas necessidades im- de esperança na superação. Por onde
postas pela Covid-19. Depois de mais de passo, tenho reiterado esta mensagem:
40 anos de magistratura, uma certeza car- o presente momento expôs não somente
rego na mente e no coração: não importa as fraquezas, mas também as fortalezas,
o tempo, o espaço físico, as condições a capacidade de reinvenção dos cidadãos
financeiras ou sanitárias: o foco do Poder e de suas instituições.
Judiciário é, e sempre será, o cidadão. Sob a perspectiva jurídica, duas cir-
Após mais de um ano do reconhecimen- LUIZ FUX é presidente do Supremo Tribunal cunstâncias alimentam vigorosamente
to da pandemia pela Organização Mundial Federal e do Conselho Nacional de Justiça essa minha percepção resiliente do futuro.
da Saúde (OMS), a crise mundial gerada Em primeiro lugar, nesse processo de
pela Covid-19 permanece uma adversida- reação e de reconstrução nacional, o meu
de profunda, que nos tem custado milhões de vidas em todo o globo sentir, como cidadão e como juiz, é que a nossa Constituição sairá
terrestre. Só no Brasil, foram mais de 400 mil perdas. Os anos de 2020 e mais fortalecida dessa crise. Forçoso reconhecer que, mesmo no auge
2021 marcarão as nossas memórias como o momento mais trágico para da ansiedade coletiva causada pela epidemia, ninguém – ninguém –
a humanidade desde a Segunda Guerra Mundial. Somente daqui a al- ousou questionar a legitimidade e a autoridade da Constituição Fede-
guns anos, quiçá décadas, é que olharemos para trás e conseguiremos ral, tampouco das respostas que o seu guardião, o Supremo Tribunal
compreender a real dimensão da adversidade que ora vivenciamos. Federal, construiu para nossas incertezas momentâneas.
A epidemia tem revelado não apenas a finitude humana, sendo um Em segundo lugar, o cidadão brasileiro testemunhou o esforço dos
desafio pessoal e coletivo para os cidadãos brasileiros, como também tribunais brasileiros, notadamente de nossa Suprema Corte, em ga-
tem testado a capacidade de coordenação das instituições dos Três Po- rantir segurança jurídica, paz social e estabilidade democrática, bem
deres, que têm se deparado com escolhas trágicas e complexas. Seja como em estimular a coordenação entre os entes federativos.
na implementação emergencial de serviços de saúde e de medidas de Nos últimos meses de epidemia, o Supremo Tribunal Federal tem
restrição de circulação, seja nos ajustes fiscais e nas políticas econômi- sido incansável no seu propósito de julgar em tempo recorde ações
cas para alívio dos impactos econômicos da epidemia. judiciais que versem sobre o enfrentamento da epidemia da Covid-19.
Na realidade, o momento atual demonstra que não existem deci- Nos últimos doze meses, foram mais de sete mil processos relacio-
sões fáceis quando há tensão entre o direito à vida e o direito à liber- nados à crise sanitária, decididos individual ou colegiadamente, com
dade, ou entre o direito à saúde e o direito ao trabalho. Essas aflições relevante impacto político, social e econômico.
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