Page 86 - Os Lusiadas Contados as criancas e lembrado ao povo
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«Deixemos agora», continuou a bela Tétis, «deixemos o Estreito de Ormuz,
e o próximo Cabo de Jasque, na região da Carmânia, onde as plantas e as
flores nunca aparecem, tão árido e ingrato é o solo, onde nenhum veio de
água corre...
«Vejamos antes o formoso Indo e o extenso Ganges — cada um nascendo
da sua altura — e, adiante, a hospitaleira enseada de Jaquete. Depois, a
fertilíssima terra de Ulcinde e a riquíssima Cambaia... E mil outras cidades,
de que não falo, mil cidades, todas elas destinadas a serem vossas um dia...
«Percorre agora a costa indiana até ao Cabo Comori, que está em frente de
Ceilão... Atenta nela bem! A gente lusitana terá ali vitórias, ali ganhará
grandes riquezas, e ali possuirá terras opulentas, nas quais há de mandar
durante muitos séculos.
«As províncias que vês entre um e outro rio são de infinito tamanho. Aqui
um reino é maometano, ali outro é índio. Mas neles ambos encontrarás
memórias da tua raça e religião.
«Em Meliapor, cidade de Narsinga, estão as relíquias do corpo de S. Tomé,
que de longe veio pregar a Fé de Cristo aos indígenas que adoravam os
ídolos antigos. E um caso estranho lhe sucedeu...
«Estava ele em Narsinga pregando, dando saúde a doentes e ressuscitando
mortos, quando um dia um grande tronco trazido pelo Mar apareceu perto
da praia. O rei daquela terra, que andava a edificar palácios e casas,
resolveu aproveitar esse tronco, e mandou que o puxassem para terra, à
força de homens, de engenhos e de elefantes. Mas não se conseguiu mover
o madeiro, tão pesado ele era.
«S. Tomé pensou logo em aproveitá-lo para edificar uma igreja.
«Ata o cordão que lhe aperta a cinta à volta do tronco — e, sem a menor
dificuldade, logo o traz para junto de si!